Veredito sobre templo disputado é má notícia para democracia na Índia
Passou praticamente despercebido na imprensa brasileira, mas a Índia assistiu no fim de semana ao desfecho de uma disputa histórica entre hindus e muçulmanos, confirmando tendências preocupantes no tratamento dispensado às minorias religiosas nesta que é a maior democracia do mundo.
No sábado (9), a Suprema Corte indiana autorizou a construção de um templo hindu no local onde ficava uma mesquita destruída por uma multidão de fanáticos há quase três décadas. A decisão, há muito aguardada, foi amplamente interpretada como uma vitória para os partidários do nacionalismo hindu, movimento liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi.
Para entender o veredito, é preciso revisitar o dia 6 de dezembro de 1992, quando uma turba de nacionalistas hindus, instigada por líderes políticos e religiosos, atacou a mesquita Babri, na cidade de Aiódia, no norte do país. O local de culto islâmico, construído no século 16, veio abaixo em poucas horas, dando sequência a confrontos sectários em todo o país que deixaram mais de 2.000 mortos, em sua maioria muçulmanos.
Os seguidores do hinduísmo, que compõem 80% dos 1,3 bilhão de habitantes da Índia, acreditam que o terreno em que a mesquita Babri foi erguida no século 16 é também o local de nascimento de Ram, uma das principais divindades hindus. Nacionalistas hindus buscavam construir um templo ali e poderão fazê-lo após a decisão da Suprema Corte.
O premiê Modi descreveu o veredito como “um novo alvorecer” para a Índia. Sua agremiação, o BJP (Partido do Povo Indiano, na sigla em hindi), lidera desde os anos 1980 a campanha pela transformação da mesquita Babri em um templo hindu.
SECULARISMO EM XEQUE
A sentença, unânime, também estabeleceu que a demolição foi ilegal, determinando que uma nova mesquita seja erguida em outro terreno em Aiódia. Críticos apontam que a decisão acaba por premiar a atitude violenta dos nacionalistas hindus e oferece certa legitimidade a atos de perseguição contra minorias religiosas.
“O país está se encaminhando para virar uma nação hindu”, disse o parlamentar oposicionista Asaduddin Owaisi, que é muçulmano, de acordo com a agência de notícias Reuters. A Constituição indiana estabelece que o país é uma democracia secular, sem uma religião oficial.
A vitalidade de uma democracia se mede pela capacidade em fazer valer a vontade da maioria, mas também pelo tratamento dispensado às minorias, que devem ter seus direitos assegurados. O governo de Modi, no poder desde 2014, já vinha adotando medidas que põem em xeque os direitos das minorias religiosas.
Em agosto, o premiê decretou o fim da autonomia de Jammu e Caxemira, única região de maioria muçulmana no país –desde então, os moradores dali vivem sob estado de sítio e sem poder se comunicar com pessoas de fora.
“Os muçulmanos na Índia temem que isto seja de fato o começo de uma reimaginação da Índia em que muçulmanos sejam cidadãos de segunda classe, conforme preconizam os supremacistas de direita”, escreveu a jornalista indiana Ranna Ayyub, que é muçulmana, sobre o veredito da disputa de Aiódia em artigo de opinião para o Washington Post. Sua família fugiu da Índia em 1993, após a onda de ataques desencadeada pela demolição da mesquita Babri.
“Uma mensagem contundente foi enviada aos mais de 200 milhões de muçulmanos no país, de que eles devem aguentar toda humilhação e injustiça com o silêncio esperado de cidadãos inferiores”, acrescentou Ayyub.