Entenda os protestos contra a ditadura de Sisi, no Egito

O povo retornou às ruas do Egito, repetindo as cenas registradas na revolução de 2011 em meio à Primavera Árabe.

Na sexta-feira (20), centenas de manifestantes se reuniram na capital, Cairo, e em outras cidades do país norte-africano para exigir a queda do ditador Abdel Fattah el-Sisi. Outros atos foram registrados no sábado (21).

A polícia dispersou os protestos com violência. Desde então, mais de 500 pessoas foram presas sob a acusação de participar de manifestações ilegais, de acordo com a ONG Centro Egípcio para Direitos Econômicos e Sociais.

O movimento é o principal desafio até agora para o regime de Sisi, que chegou ao poder por meio de um golpe de Estado em 2013. Novas manifestações foram convocadas para a próxima sexta-feira (27).

Entenda os protestos no Egito:

1. Protestos são os primeiros desde golpe militar de 2013

Vídeos que circulam nas redes sociais mostram manifestantes gritando “fora, Sisi” e “o povo quer a queda do regime”. No Cairo, os protestos alcançaram as proximidades da praça Tahrir, palco das manifestações que, em 2011, puseram fim a três décadas do regime de Hosni Mubarak.

Manifestações de dissenso como as que ocorreram na semana passada são raras no Egito de Sisi. Ele, 64, praticamente proibiu a realização de protestos no país desde que liderou um golpe de Estado em 3 de julho de 2013 –a última ocasião em que opositores ocuparam as ruas, em agosto daquele ano, terminou com mais de 800 civis mortos em massacres perpetrados pelas forças de segurança.

Sisi se mantém no poder graças ao apoio do Exército, instituição na qual chegou a ocupar o cargo de general antes de virar presidente. No campo internacional, o ditador conta com o apoio do governo dos Estados Unidos e do regime da Arábia Saudita.

“Sisi reprimiu quaisquer protestos cruelmente, então o fato de que as pessoas estão preparadas para ir às ruas hoje … reflete a frustração enorme, a raiva enorme que egípcios comuns sentem em relação a Sisi”, disse o analista britânico Bill Law à emissora catariana Al Jazeera.

2. Atos foram convocados por empresário e ator exilado

As manifestações ocorreram após um chamado feito pelo empresário e ator Mohamed Ali, que vive em exílio voluntário na Espanha. Em vídeos que viralizaram no Facebook e no Twitter, ele acusa Sisi de corrupção e pede que seus seguidores saiam às ruas contra o regime.

Nos últimos anos, Ali, 45, firmou contratos lucrativos com o Exército, que controla grande parte das atividades econômicas no Egito. Ele reclama que o governo lhe deve 220 milhões de libras egípcias (o equivalente a R$ 56 milhões) em pagamentos referentes à construção de um hotel de luxo, e diz ter fugido do país por temer sofrer retaliações.

Os novos protestos no Egito ocorrem após vitórias de manifestantes em países da região: uma série de manifestações provocou a renúncia do presidente Abdelaziz Bouteflika na Argélia em abril; no mesmo mês, o ditador Omar al-Bashir foi deposto em um golpe militar no Sudão, após meses de protestos por democracia.

“Você é um opressor e um fracassado. O povo está passando fome”, diz Ali a respeito de Sisi em um dos vídeos. O ditador diz que as acusações feitas por Ali são “mentiras e calúnias”.

3. Sisi sufoca liberdades conquistadas na Primavera Árabe

Sisi é responsável por reverter as principais liberdades conquistadas pelo povo egípcio após a onda de protestos da Primavera Árabe, que chacoalhou diversos países do Norte da África e do Oriente Médio entre 2010 e 2011.

Em 2014 e 2018, Sisi venceu eleições presidenciais sem a participação de candidatos opositores, pondo fim à breve experiência democrática no Egito. A única vez em que cidadãos do país foram às urnas em eleições livres foi em 2012, quando elegeram como presidente Mohammed Mursi, do partido islamita Irmandade Muçulmana –deposto no golpe liderado por Sisi no ano seguinte, Mursi passou seus últimos dias na prisão até a sua morte, em junho.

O regime egípcio prende opositores sob a acusação, nem sempre justificada, de colaborar com a Irmandade Muçulmana, considerada um grupo terrorista pelas autoridades do país. Além disso, sob Sisi, o Egito se tornou o terceiro país que mais prende jornalistas no mundo, atrás da China e da Turquia: havia 25 profissionais da imprensa atrás das grades no país em dezembro, de acordo com o relatório mais recente do Comitê para a Proteção de Jornalistas.

“As agências de segurança do presidente Sisi usaram a força em diferentes ocasiões para reprimir brutalmente protestos pacíficos”, disse em nota Michael Page, vice-diretor da ONG Human Rights Watch para o Oriente Médio e o Norte da África, após os protestos mais recentes no Egito. “As autoridades devem reconhecer que o mundo está de olho e adotar todos os passos necessários para evitar a repetição de atrocidades do passado.”