Entenda, na medida do possível, o que está acontecendo com o brexit

Uma votação no Parlamento britânico na noite de terça-feira (3) complicou a possibilidade de o primeiro-ministro Boris Johnson conduzir um divórcio litigioso entre o Reino Unido e a União Europeia em 31 de outubro. A sessão na Câmara dos Comuns, descrita por alguns dos presentes como “decisiva” e “histórica”, gerou ainda mais incerteza sobre os rumos do brexit.

Os parlamentares decidiram, por 328 votos a 301, retirar do premiê o controle sobre a pauta da Casa legislativa. Agora, a oposição corre contra o tempo para aprovar um projeto de lei que tenta adiar a saída britânica até o ano que vem caso o governo fracasse em obter um novo acordo com as autoridades de Bruxelas antes que o prazo de negociações se esgote.

Aprovado por margem apertada em plebiscito em junho de 2016, o brexit mergulhou o Reino Unido –até então considerado uma das democracias mais estáveis do mundo– em crise política permanente. A poucas semanas da data planejada, ninguém sabe se, como e quando a saída do bloco regional irá ocorrer, e já se fala até em eleições antecipadas no curto espaço de tempo que resta para o país decidir o seu futuro.

Entenda, na medida do possível, o que está acontecendo no Reino Unido:

1. Aliança rebelde humilha premiê, apesar de ameaça de expulsão

Com os parlamentares britânicos de volta do recesso de verão, esta foi a primeira sessão da Câmara dos Comuns desde que Johnson assumiu o cargo de primeiro-ministro, em julho. E foi uma estreia traumática para o novo líder: ele viu 21 correligionários do Partido Conservador apoiarem a moção apresentada pela oposição trabalhista, desafiando as ameaças de expulsão da legenda.

A chamada “aliança rebelde” incluiu figurões da legenda, como Philip Hammond (ex-ministro da Economia) e Sir Nicholas Soames (neto do ex-chanceler Winston Churchill). O grupo reclama que Johnson não apresentou planos factíveis para evitar uma ruptura radical com a UE, que teria consequências desastrosas para a economia do país.

2. Parlamento tenta bloquear brexit sem acordo às vésperas de suspensão

O resultado da votação desta terça-feira dá aos adversários de Johnson uma margem estreita para influenciar os rumos do brexit –o Parlamento tem poucas sessões agendadas até que comece sua suspensão por cinco semanas. Anunciada na semana passada, a interrupção alongada dos trabalhos do Legislativo foi interpretada como uma estratégia do premiê para cercear a voz da oposição no período que antecede a saída do bloco regional.

Os parlamentares deverão votar já nesta quarta-feira (4) um projeto de lei que busca adiar o divórcio com a UE pelo menos até janeiro de 2020, caso o governo fracasse em obter um novo acordo durante uma cúpula com líderes europeus em 17 de outubro. Ainda que seja aprovado na Câmara dos Comuns, o projeto precisará tramitar na Câmara dos Lordes e ser assinado pela rainha Elizabeth 2ª para ter validade.

3. Johnson perde maioria na Câmara e propõe eleições adiantadas

A votação tumultuada desta terça-feira também viu o governo perder a estreita maioria que tinha na Câmara dos Comuns. Enquanto Johnson discursava, o parlamentar conservador Phillip Lee cruzou a sala e se juntou à fileira dos Liberais Democratas, partido centrista que integra a oposição –em sua carta de ruptura, Lee lamentou que seu antigo partido havia sido contaminado pela “doença do populismo”.

Assim, a coalizão de Johnson não tem mais os votos necessários para aprovar projetos no Parlamento. Após ser derrotado, o premiê declarou que iria propor a realização de eleições gerais para que o país decida quem deverá seguir conduzindo as negociações do brexit: ele ou o líder da oposição, Jeremy Corbyn. Especula-se que a votação possa ocorrer já em 15 de outubro, mas, para que um novo pleito seja convocado, pelo menos dois terços dos parlamentares precisam aprovar a dissolução da atual legislatura.

4. Fronteira entre as Irlandas está no centro do impasse

O principal impasse sobre os rumos do brexit envolve o futuro da fronteira que separa a Irlanda do Norte (que integra o Reino Unido) e a República da Irlanda (que seguirá sendo membro da UE). Um brexit litigioso levaria ao restabelecimento de controles alfandegários na região, ignorando a vontade dos habitantes dos dois lados da fronteira e contrariando o Acordo da Sexta-Feira Santa, de 1998, que pôs fim a três décadas de conflito sangrento entre nacionalistas irlandeses e unionistas na Irlanda do Norte.

Para evitar a imposição de uma “fronteira dura” na região, as autoridades de Bruxelas propõem que o Reino Unido siga sendo parte do sistema alfandegário da UE após o brexit até que novas regras de comércio sejam negociadas. Johnson se opõe a esta exigência, conhecida como “backstop”, dizendo que um divórcio litigioso é preferível à manutenção das atuais regras de comércio com o bloco regional. Até agora, porém, Johnson não apresentou alternativas factíveis para resolver o dilema, pondo em risco um dos pilares da paz na Irlanda do Norte.