Israel e Hizbullah evitam nova guerra, ao menos por enquanto

O fim de semana foi de tensão na fronteira entre Israel e Líbano, com a troca de foguetes entre as Forças de Defesa Israelenses e a milícia xiita Hizbullah.

No domingo (1º), o Hizbullah disparou mísseis antitanque contra um veículo militar de Israel, que respondeu lançando dezenas de foguetes contra alvos da milícia no sul do Líbano. Embora não tenham deixado vítimas, as hostilidades causaram pânico dos dois lados da fronteira e geraram o temor de uma escalada militar no Oriente Médio.

O episódio de violência ocorreu uma semana depois de dois drones israeleneses caírem sobre o centro de mídia do Hizbullah na capital libanesa, Beirute, de acordo com as autoridades do país árabe. O presidente Michel Aoun classificou o incidente de “declaração de guerra”, e o líder do Hizbullah, Hassan Nasrallah, disse que Israel “pagaria o preço” pela agressão.

Já o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, declarou estar “preparado para qualquer cenário”, e afirmou que o Exército “decidirá como agir em seguida dependendo de como as coisas se desenrolarem”.

O Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) advertiu que as hostilidades “podem levar a um novo conflito” e pediu que as partes envolvidas tenham “calma”. Escaramuças entre os militares israelenses e os combatentes do Hizbullah são comuns, mas os eventos recentes representam a escalada mais grave dos últimos anos.

A fronteira, que é separada por uma zona tampão administrada pela ONU, amanheceu mais silenciosa nesta segunda-feira (2), afastando as perspectivas de uma nova guerra –ao menos por enquanto.

A última vez em que os dois lados se enfrentaram para valer foi entre julho e agosto de 2006, após o Hizbullah sequestrar dois soldados do país vizinho. Na ocasião, Israel invadiu o sul do Líbano, enquanto o Hizbullah disparou mísseis através da fronteira. O conflito terminou após 34 dias com quase 1.200 mortos do lado libanês e mais de 160 mortos em Israel.

Fundado em 1985, em meio à guerra civil no Líbano, o Hizbullah diz atuar em nome dos seguidores do ramo xiita do islã, que formam um dos diversos grupos religiosos país. A sociedade libanesa também é formada por muçulmanos sunitas, cristãos maronitas e drusos, bem como numerosas minorias de refugiados palestinos, sírios e armênios.

O Hizbullah, de orientação islamita, é uma das principais forças políticas no Líbano –seu nome significa “Partido de Deus”. Seu braço armado é independente do Exército libanês e forma um dos grupos armados mais poderosos da região.

Responsável por diversos atentados ao redor do mundo entre as décadas de 1980 e 1990, o Hizbullah é considerado um grupo terrorista por Israel (seu inimigo declarado) e pelos Estados Unidos. O Brasil, que possui uma expressiva comunidade libanesa, não o classifica como tal, mas o governo de Jair Bolsonaro anunciou recentemente que pretende seguir o tratamento dispensado à milícia por seus aliados em Jerusalém e Washington.

A QUESTÃO IRANIANA

Os recentes confrontos entre o Hizbullah e o Exército israelense se inserem em um contexto de crescente rivalidade no Oriente Médio entre o regime iraniano e os países aliados do Ocidente, especialmente Israel e Arábia Saudita.

O Hizbullah é financiado e treinado pelo Irã. Nos últimos anos, a milícia libanesa participou da guerra civil na vizinha Síria ao lado de forças iranianas para ajudar o regime de Bashar al-Assad a derrotar grupos armados da oposição. Assim, o Hizbullah adquiriu novos equipamentos e experiência de batalha.

Israel vê no retorno dos combatentes do Hizbullah ao Líbano e na presença redobrada de agentes iranianos na Síria uma ameaça existencial. Tendo isso em vista, o governo Netanyahu tem agido para deter a expansão da influência militar iraniana na região.

No ano passado, o premiê israelense ajudou a convencer o presidente Donald Trump a retirar os Estados Unidos do acordo nuclear iraniano firmado em 2015, resultando em rigorosas sanções econômicas contra o país persa. Ademais, Israel tem atacado alvos ligados ao regime de Teerã na Síria e no Iraque, além dos bombardeios contra o Hizbullah no Líbano.

Por outro lado, a estratégia israelense de enfrentamento com o Hizbullah também encontra explicações no campo doméstico. Netanyahu parece apostar em um acirramento da disputa com seus inimigos externos para colher dividendos eleitorais no pleito de 17 de setembro. O primeiro-ministro israelense saiu vitorioso das eleições parlamentares de abril, mas seu fracasso em formar uma coalizão o forçou a convocar os eleitores novamente às urnas.

“Se houver algum tipo de reação maior por parte dos iranianos, eu entendo por que Netanyahu veria como isso seria benéfico para ele”, disse Trita Parsi, do think tank americano Quincy Institute for Responsible Statetcraft, à emissora catariana Al Jazeera. “O público israelense provavelmente se mobilizaria em torno da bandeira e seria difícil trocar a liderança no processo … Pode ser exatamente isso o que Netanyahu está buscando”.

As nuvens de guerra parecem ter se dissipado após a mais recente troca de foguetes, mas as raízes políticas da instabilidade na região se mantêm. Episódios como o deste final de semana revelam os limites do frágil equilíbrio de forças que tem protegido o Oriente Médio de uma conflagração de grande escala.