Posse de premiê civil inaugura nova fase da Revolução Sudanesa
A revolução em curso no Sudão entrou em uma nova fase na quarta-feira (21), com a posse de um primeiro-ministro civil e a formação de um conselho encarregado da transição à democracia após uma onda de protestos pôr fim ao regime do ditador Omar al-Bashir.
Em cerimônia na capital, Cartum, o economista Abdalla Hamdok tomou posse como premiê. Ele prestará contas ao recém-formado Conselho Soberano, órgão integrado por militares e civis e que deverá transferir o poder para um governo eleito daqui a três anos.
A posse do novo governo ocorre após meses de negociação entre as Forças Armadas e líderes dos protestos no país. Com este novo arranjo de poder, os militares deixam de ter controle absoluto sobre a política do Sudão pela primeira vez desde a chegada de Bashir ao poder, em 1989.
Entenda o processo de transição democrática no Sudão:
1. Novo premiê declara apoio aos princípios da revolução
Novo premiê do Sudão, Hamdok promete modernizar a economia do país e pôr fim a décadas de conflito armado. Ele foi apontado para o cargo pelas Forças pela Liberdade e Mudança, coalizão que agrega os principais grupos de oposição do país.
Hamdok, 63, cursou doutorado na Universidade de Manchester e foi vice-secretário-executivo da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África entre 2011 e 2018. Ele chegou a ser apontado como ministro da Economia do regime de Bashir no ano passado, mas recusou o convite.
“O slogan enraizado da revolução –paz, liberdade e justiça– formará o programa do período de transição”, disse Hamdok em entrevista coletiva após tomar posse, de acordo com a agência de notícias Reuters.
2. Militares seguirão tutelando a transição por 21 meses
Apesar da posse de um primeiro-ministro civil, as Forças Armadas do Sudão seguirão tendo influência política nos próximos anos. Os militares ocupam cinco cadeiras do Conselho Soberano ao lado de seis civis apontados pela oposição.
O novo organismo substitui o Conselho Militar Transitório (CMT), que passou a governar o país norte-africano depois da deposição de Bashir em um golpe militar em 11 de abril em meio à onda de protestos. Sob o acordo de transição, os militares chefiarão o Conselho Soberano por 21 meses –depois deste período, os civis assumirão o poder por 18 meses até a realização de eleições livres.
O tenente-general Abdel Fattah al-Burhan, que chefiava o CMT, assumiu na quarta-feira a liderança do Conselho Soberano. Também integra o organismo o general Mohamed Hamdan Dagalo, líder de um grupo paramilitar responsável por atrocidades contra civis em Darfur, região no sudoeste do Sudão que vive em estado de guerra civil desde 2003.
3. Revolução Sudanesa arranca conquistas apesar de repressão
Até poucos meses atrás, a posse de um governo civil no Sudão era algo improvável. O regime islamita de Bashir controlava a população com punho de ferro, perseguindo minorias e reprimindo protestos com o apoio de outras ditaduras da região.
Após o início da mais recente onda de protestos, em dezembro, Bashir impôs um estado de emergência e suspendeu o acesso à internet. Mesmo após sua deposição, as Forças Armadas continuaram reprimindo as manifestações –mais de cem ativistas foram mortos em um massacre em Cartum em 3 de junho, segundo grupos de oposição. Ainda assim, os militares não conseguiram sufocar a revolução.
“Os manifestantes adotaram uma estratégia pacífica desde o início”, disse Samahir Elmubarak, porta-voz da Associação de Profissionais Sudaneses (SPA, na sigla em inglês), uma das principais organizações à frente da revolta popular, em entrevista à Folha no mês passado. “Sabemos que os custos de uma guerra são muito altos. O povo fez uma escolha bastante consciente sobre a resistência não violenta.”