Áudios sugerem acordo de caixa dois da Rússia para ultradireita na Itália
Autoridades da Rússia e da Itália negociaram a transferência de milhões de dólares para o partido do ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, de acordo com áudios de um encontro secreto revelados na quarta-feira (10) pelo site BuzzFeed News.
Os áudios foram gravados durante uma reunião realizada em 17 de outubro no hotel Metropol, em Moscou, entre três aliados de Salvini e três agentes do governo russo não identificados. No encontro de 75 minutos, foram negociados repasses para a legenda de direita ultranacionalista Liga por meio de um acordo bilionário de venda de petróleo, diz a reportagem, assinada pelo jornalista Alberto Nardelli.
O BuzzFeed News estima que a Liga receberia até US$ 65 milhões (R$ 244 milhões), destinados para a campanha do partido nas eleições para o Parlamento Europeu, realizadas em maio. Não está claro se as partes cumpriram o acordo, que viola a legislação eleitoral italiana.
Nos áudios, Gianluca Savoini –um aliado de longa data de Salvini– aparece dizendo: “Queremos mudar a Europa … Uma nova Europa deve ser próxima da Rússia porque queremos ter nossa soberania”.
Por outro lado, os russos que participaram do encontro descrevem Salvini como “Trump europeu”. O ministro do Interior italiano não participou do encontro, mas estava em Moscou naquela data.
Em nota, Salvini refutou as revelações do BuzzFeed News: “Nunca recebi um rublo, um euro, um dólar ou um litro de vodka em doação da Rússia”.
Após a publicação da reportagem, integrantes da oposição italiana protestaram no Parlamento, e dois ex-primeiros-ministros do país, Matteo Renzi e Paolo Gentiloni, se manifestaram a favor da abertura de uma investigação parlamentar sobre as origens do financiamento de campanha da Liga.
Detalhes iniciais da reunião no Metropol já haviam sido expostos em fevereiro pela revista italiana L’Espresso. Na época, um porta-voz de Salvini descreveu as revelações como “fantasias” e “um enredo de ficção”.
Salvini nunca escondeu sua simpatia pelo presidente russo, Vladimir Putin. O líder da ultradireita italiana já declarou não se opor à anexação da península da Crimeia da Ucrânia pela Rússia, em 2014, e pediu o fim das sanções da União Europeia (UE) contra o Kremlin.
Além disso, o ministro do Interior italiano é um crítico ferrenho das instituições decisórias da UE, e um defensor da política de portas-fechadas para imigrantes.
Sob a liderança de Salvini, a Liga passou de uma pequena agremiação regional para uma das maiores forças políticas da Itália, tornando-se um dos expoentes do populismo nacionalista em ascensão na Europa.
A Liga passou a integrar o governo italiano com os populistas do Movimento 5 Estrelas após obter 17% dos votos nas eleições parlamentares de março de 2018. Quatorze meses depois, o partido conquistou 34,5% dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu, sua maior vitória nas urnas até aqui.
A RÚSSIA E A ULTRADIREITA NA EUROPA
As revelações do BuzzFeed News sobre o financiamento de campanha da Liga são as mais recentes indicações de que o Kremlin ajuda a impulsionar partidos de direita ultranacionalista na Europa.
Na França, Marine Le Pen, líder do partido Reunião Nacional (antiga Frente Nacional), obteve empréstimos de €11 milhões (R$ 46,5 milhões) de bancos russos. Ela insiste que as transações não têm fins políticos.
Além disso, as autoridades do Reino Unido investigam a origem dos £8 milhões (R$ 38 milhões) doados pelo empresário Aaron Banks à campanha pela saída britânica da UE no plebiscito sobre o brexit, em junho de 2016. Há suspeitas de que Banks tenha lucrado com investimentos em ouro em diamantes oferecidos pela embaixada da Rússia em Londres.
Já na Áustria, o líder do partido de ultradireita FPÖ, Heinz-Christian Strache, teve de renunciar ao cargo de vice-chanceler em maio após o vazamento de vídeos em que ele discute a concessão de contratos públicos em troca de apoio de campanha da Rússia.
Fora da Europa, o governo russo é acusado de tentar interferir na corrida pela Casa Branca, em 2016, em favor de Donald Trump ao ordenar ataques cibernéticos contra alvos do Partido Democrata.
Em anos recentes, a tensão geopolítica entre governos do Ocidente e Moscou atingiu seu maior nível desde o fim da Guerra Fria, alimentada por sanções econômicas e por desacordos sobre conflitos armados na Ucrânia e na Síria. Esta nova geração de políticos de ultradireita na Europa e nos Estados Unidos é, no geral, favorável ao fim dos embates com a Rússia.