Na Argélia e no Sudão, regimes tentam sufocar nova Primavera Árabe
A Argélia e o Sudão convulsionam.
Nos últimos meses, uma onda de protestos nestes países norte-africanos levou à derrubada de antigos ditadores, abrindo oportunidades históricas de transições para a democracia no que alguns observadores já chamam de “nova Primavera Árabe”.
Agora, os grupos que haviam ocupado o vácuo institucional, em particular as Forças Armadas, se aferram ao poder e fazem de tudo para sufocar as vozes das ruas.
Entenda os levantes na Argélia e no Sudão:
1. Na Argélia, regime cede à oposição e cancela pleito
A Argélia vive um impasse desde 2 de abril, quando o presidente Abdelaziz Bouteflika anunciou sua renúncia após uma série de manifestações. Bouteflika, 82, estava no poder havia duas décadas, mas nos últimos anos vinha se distanciando da vida pública devido a problemas de saúde.
As autoridades encarregadas pela transição de poder haviam agendado para o mês que vem eleições presidenciais sem candidatos opositores, mas anunciaram no domingo (2) o cancelamento do pleito, cedendo à pressão popular.
Agora, o Conselho Constitucional do país, leal aos militares, propõe a prorrogação do mandato do presidente interino, Abdelkader Bensalah, que termina em 9 de julho. Descontentes, os manifestantes seguem exigindo a realização de eleições livres.
“[O cancelamento do pleito governista] é uma vitória importante, mas não definitiva”, disse Abdelouahab Fersaoui, líder da organização popular União de Ação da Juventude, ao jornal americano New York Times. “Aqueles que estão no poder continuarão a impor seu roteiro, com um novo adiamento das eleições, com a mesma máquina deste sistema rejeitado pelo povo”.
2. No Sudão, militares reprimem acampamento de manifestantes
Assim como na Argélia, a situação no Sudão é de incerteza. Protestos contra o governo iniciados em dezembro levaram à deposição do ditador Omar al-Bashir em um golpe militar em 11 de abril. Bashir, 75, governava o país havia três décadas, período no qual acumulou acusações de crimes de guerra. A situação econômica do país piorou após a separação do Sudão do Sul, rico em petróleo, em 2011.
Após a queda do ditador, quem assumiu o poder foi um conselho militar liderado pelo tenente-general Abdel Fattah al-Burhan. Ele promete conduzir uma transição de governo durante os próximos dois anos, mas os manifestantes veem nele uma continuidade do regime de Bashir.
Nesta segunda-feira (3), militares sudaneses abriram fogo contra um acampamento de manifestantes na capital, Cartum, deixando ao menos 30 mortos, segundo grupos que organizam os protestos. O saldo de mortos desde o início da revolta popular já chega a 90, ainda de acordo com a oposição.
“Eles [militares] atiravam aleatoriamente contra todo mundo, e as pessoas corriam para tentar se salvar”, disse Mohammed Elmunir, que participava da manifestação em Cartum, à emissora catariana Al Jazeera. “As pessoas estão com muita raiva agora. Elas não sabem o que pode acontecer em seguida”.
3. Nos dois países, o impasse gera risco de conflito
A despeito das manobras dos regimes, as ruas da Argélia e do Sudão seguem ardendo. O impasse aumenta os riscos de escalada da violência, assim como nos levantes da Primavera Árabe iniciados em 2011, que desaguaram em conflitos sangrentos na Líbia, na Síria e no Iêmen.
A história destes países alimenta os temores de violência. A Argélia passou por uma guerra civil com 200 mil mortos nos anos 1990. Já o Sudão enfrenta um conflito em Darfur, região no sudoeste do país, onde mais de 300 mil pessoas foram mortas desde 2003.
“O teste imediato será como os militares no Sudão e na Argélia prosseguirão”, escreveu o analista Andrew England para o jornal britânico Financial Times em abril. “Se eles fracassarem em atender genuinamente às demandas de seus povos e somente buscarem preservar seus regimes detestados, eles estarão apenas acumulando mais problemas para o futuro”.
Aviso: Este post foi atualizado às 17h20.