Na política externa, Bolsonaro mostra sua face mais radical
Jair Bolsonaro faz de tudo para frustrar as expectativas de quem achava que o poder ajudaria a moderar suas posições extremadas. O Bolsonaro deputado que elogiava o ditador chileno Augusto Pinochet (1973-1990) é o mesmo que, na Presidência, homenageia o ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989).
O radicalismo é marca de várias áreas do novo governo, mas é na política externa que o presidente expressa uma de suas faces mais cruentas. Ao contrário das promessas de conduzir as relações internacionais do Brasil “sem viés ideológico”, a diplomacia bolsonarista se mostra cada vez mais conservadora e autoritária.
É uma estratégia que faz sentido: nas relações exteriores, o ocupante do Planalto tem um maior grau de autonomia para tomar decisões, sem precisar se submeter aos contrapesos exercidos pelo Congresso e pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Na nova administração, o Itamaraty passa por transformações profundas sob a batuta do chanceler Ernesto Araújo (aquele que dizia que o aquecimento global é um “complô marxista” para destruir a civilização ocidental).
Na posição de líder da trupe olavista na Esplanada, o chefe do MRE (Ministério das Relações Exteriores) parece desconsiderar décadas de tradição diplomática baseada nos princípios da independência, do pragmatismo e da resolução pacífica de conflitos.
Demonstrando alinhamento à Casa Branca, Araújo dá voz a quem deseja uma aventura intervencionista na Venezuela, com consequências imprevisíveis para a ordem regional. A atitude do chanceler arrisca mergulhar as Forças Armadas em uma guerra contra um país vizinho –algo inédito desde a Guerra do Paraguai, há um século e meio.
Mesmo após ter suas asas cortadas pelo vice-presidente Hamilton Mourão, o chanceler deixou evidente sua intransigência ao demitir o embaixador Paulo Roberto de Almeida no início desta semana. O diplomata fazia críticas ao tratamento dado pela nova gestão à crise venezuelana, mas estava longe de representar o fantasma do “lulopetismo” que Araújo diz combater.
Os novos ventos que sopram do Itamaraty impulsionam a reconfiguração do eixo de alianças internacionais do país. É bastante simbólico que Bolsonaro inaugure sua agenda no exterior prestando visitas a Donald Trump e Binyamin Netanyahu, marcadas para as próximas semanas (o Chile, governado pelo direitista Sebastian Piñera, também está no roteiro da viagem).
Os líderes dos Estados Unidos e de Israel estão na linha de frente da cruzada internacional, à qual o Brasil agora se soma, contra a ONU (Organização das Nações Unidas) e demais instituições de governança global. Na nova ordem mundial proposta por este grupo, o multilateralismo e a promoção dos direitos humanos não são prioridades.
Se Bolsonaro levasse a sério a bandeira do combate à corrupção, estaria andando com gente de outra laia. Vários aliados de Trump foram parar na cadeia por práticas financeiras escusas, e há suspeitas de conspiração com autoridades da Rússia na campanha eleitoral de 2016. Já Netanyahu deverá ser indiciado por suborno e fraude às vésperas de novas eleições gerais. Pensando bem, a companhia até que combina com o governo dos laranjas e do Queiroz.
Mais grave que qualquer escândalo de corrupção, porém, é que os parceiros internacionais prioritários de Bolsonaro não escondam seu racismo e sua simpatia por grupos extremistas.
Todos ainda se lembram de que Trump promoveu a separação de famílias de imigrantes centro-americanos na fronteira, deixando que crianças morressem em jaulas. Também não dá para esquecer que o presidente americano viu “pessoas de bem” entre os participantes de uma manifestação violenta convocada pela Ku Klux Klan em Charlottesville em agosto de 2017.
Em comparação, o histórico de Netanyhahu não deixa a desejar: seu governo é responsável pela morte de centenas de civis palestinos na faixa de Gaza, em ações que podem constituir crimes de guerra, segundo a ONU. Além disso, o premiê israelense recentemente abriu as portas de sua coalizão para os extremistas do partido Otzma Yehudit (Poder Judaico) –o convite provocou críticas até mesmo da Aipac, o poderoso grupo de lobby pró-Israel em Washington.
O radicalismo da política externa de Bolsonaro se contrapõe à moderação (sempre em termos relativos) da diplomacia de Trump. Em seus primeiros anos em Washington, o republicano precisou retroceder em algumas de suas políticas internacionais mais amalucadas graças às intervenções dos secretários de Estado, Rex Tillerson, e de Defesa, Jim Mattis. Não por acaso, ambos acabaram deixando o governo eventualmente.
Já no Brasil, as expectativas de moderação são depositadas em um Mourão repaginado, bem como nos ministros Paulo Guedes (Economia) e Sérgio Moro (Justiça), encarregados de executar boa parte da agenda doméstica do governo.
Mas não custa lembrar que política externa também é política pública e produz resultados concretos na vida da população, embora pouco visíveis no curto prazo. A condução das relações exteriores na nova gestão ameaça desmoralizar o Itamaraty e arranhar a imagem que o Brasil apresenta para o mundo.
Em um passado recente, o Brasil esboçava alguma iniciativa diplomática, posicionando-se como referência positiva entre os países emergentes e procurando remodelar as instituições internacionais em favor da soberania.
Havia problemas, é claro, mas ao menos existia a ambição de se sentar à mesa dos adultos. Agora, o país parece se contentar com o papel de bobo da corte.