Assassinato de prefeito polonês é sinal do retorno da violência na política

O assassinato de Pawel Adamowicz, prefeito liberal da cidade de Gdansk, provocou consternação na Polônia. Mais que um incidente isolado, o ataque é sinal da crescente polarização no país e joga luz sobre o retorno da violência na política em diferentes partes do mundo.

Adamowicz, 53, foi esfaqueado durante um evento de caridade no domingo (13) e morreu no hospital no dia seguinte. Prefeito de Gdansk desde 1998, ele era um importante defensor dos direitos da comunidade LGBT e da acolhida de refugiados, fazendo oposição ao governo ultranacionalista do Partido da Lei e Justiça (PiS).

O autor do ataque é um homem de 27 anos com histórico violento e que havia saído da prisão recentemente –não se sabe se o agressor tinha motivações ideológicas. Antes de ser preso no local, ele se pronunciou à multidão presente e fez críticas ao antigo partido de Adamowicz, a Plataforma Cívica.

Forças de todo o espectro político lamentaram o episódio. O líder do PiS, Jaroslaw Kaczynski, disse “sentir muita dor pela morte trágica” de Adamowicz. Na segunda-feira (14), milhares de pessoas se reuniram em frente à prefeitura de Gdansk em sinal de luto.

O assassinato ocorre em um contexto de crescente polarização na política do país, marcada pela xenofobia e pelo discurso de ódio desde a chegada do PiS ao poder, em 2015. Assim como outras figuras da oposição, Adamowicz era repetidamente criticado por veículos de comunicação leais ao governo.

O RETORNO DA VIOLÊNCIA

A morte de Adamowicz lembra episódios de violência em outros países que registraram a ascensão de forças da direita ultranacionalista nos últimos anos.

Por exemplo, a revista britânica The Economist comparou o incidente na Polônia ao assassinato da parlamentar trabalhista Jo Cox durante a campanha do plebiscito sobre o “brexit”, em junho de 2016. Cox foi morta a tiros e facadas durante um evento público por um extremista de direita, que foi condenado à prisão perpétua pelo ataque.

O assassinato de Cox foi lido como sinal de que as tensões provocadas pelo “brexit”, ainda presentes no Reino Unido, estavam intoxicando a política do país. Na semana passada, o secretário dos Transportes, Chris Grayling, alertou que o eventual cancelamento do divórcio com a União Europeia poderia provocar a reação de grupos neonazistas.

Da mesma forma, a polarização nos Estados Unidos no contexto da Presidência de Donald Trump já deixou vítimas. Em entrevista ao jornal polonês Fakt, o intelectual americano Michael J. Sandel, professor de filosofia política da Universidade Harvard, comparou o episódio em Gdansk à morte de uma manifestante antifascista por um nacionalista branco em Charlottesville, em agosto de 2017. Na época, Trump foi muito criticado por dizer que havia “pessoas de bem” entre os milhares de neonazistas e nacionalistas brancos que haviam se reunido na cidade.

“O ataque a Adamowicz é chocante, mas não surpreendente. É o resultado de um discurso político que trata adversários da mídia, justiça ou partidos de oposição como inimigos … Nós também vimos isso nos EUA, em Charlottesville”, afirmou Sandel.

E O BRASIL?

O Brasil não está imune à violência na política. O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco em março passado jogou luz sobre a violência contra defensores de direitos humanos no país –o episódio,  ainda não esclarecido, segue sendo objeto de disputa política.

Além disso, esfaqueamento contra Jair Bolsonaro em setembro foi um capítulo decisivo da campanha eleitoral –detido, o agressor disse ter agido sozinho “a mando de Deus”; sua defesa alega insanidade mental. Durante sua posse, o presidente afirmou que sua sobrevivência ao atentado se deve a um “verdadeiro milagre”.

A presença da violência na política não é um fenômeno novo. Eventos como o assassinato do arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando (que viria a desatar a Primeira Guerra Mundial) e a morte do presidente americano John Kennedy mostram que a política sempre esteve marcada pelo derramamento de sangue.

Havia a expectativa, porém, de que a consolidação da democracia liberal no Ocidente na segunda metade do século 20 ajudaria a canalizar as disputas políticas para o terreno das instituições, estancando a violência. Episódios como os registrados na Polônia, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil são um sinal de alerta sobre o estado da democracia ao redor do mundo.