May evita demissão precoce, mas seu governo e o ‘brexit’ seguem por um fio

A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, sobreviveu a um voto de desconfiança entre seus correligionários do Partido Conservador nesta quarta-feira (12), evitando uma demissão precoce.

Mas a permanência de May no cargo pelos próximos meses ainda é incerta. Seu futuro depende da aprovação no Parlamento do acordo do “brexit”, que ela vem negociando há meses com a União Europeia (UE) –a oficialização do divórcio está marcada para 29 de março.

Neste quesito, a primeira-ministra vem acumulando derrotas em série. Os termos de saída da UE propostos por May desagradam tanto os partidários do “brexit” quanto aqueles que defendem a permanência no bloco regional.

Entenda a crise política no Reino Unido, e saiba o que esperar nos próximos capítulos:

1. Disputa entre conservadores pode levar à suspensão do ‘brexit’

O resultado do voto de desconfiança desta quarta é agridoce para May. Ainda que ela tenha recebido o apoio de 200 parlamentares conservadores, o suficiente para se manter no poder por ora, 117 correligionários pediram sua degola. A sangria da primeira-ministra reflete um movimento verificado nos últimos meses, em que diversos membros de seu gabinete pediram demissão por discordar dos rumos do “brexit”.

A ala rebelde do Partido Conservador é liderada por políticos mais à direita, como o ex-prefeito londrino Boris Johson, entusiasta de um rompimento radical com a UE. Por outro lado, alguns parlamentares mais ao centro e os defensores da permanência no bloco regional desconfiam da liderança de May devido às condições que ela impôs para o “brexit” –um dos principais pontos de discórdia é o status da fronteira com a Irlanda, que passará a ser a primeira fronteira terrestre com a UE; os termos propostos pela primeira-ministra são incertos quanto à política de controle alfandegário.

Caso o derretimento na base de apoio do governo se mantenha nas próximas semanas, é improvável que May consiga aprovar seu acordo do “brexit” no Parlamento. Isolada, a líder britânica se viu forçada a adiar para janeiro uma votação sobre o tema originalmente agendada para terça passada (11).

No cenário de o Parlamento rejeitar a proposta de May para o “brexit”, o futuro da relação do Reino Unido com a UE permanecerá incerto. É possível que o governo britânico venha a pedir a extensão das negociações com o bloco regional, ou ainda que convoque um novo plebiscito para cancelar o “brexit” –na pior das hipóteses, o Reino Unido poderia sair da UE sem nenhum acordo, o que mergulharia a economia do país no caos.

Boneco que retrata a primeira-ministra britânica, Theresa May, em protesto contra o “brexit” em Londres (Crédito: Frank Augstein/Associated Press)

2. Governo May é marcado por turbulências em série

May assumiu o poder um julho de 2016 com a tarefa de conduzir as negociações do “brexit”, aprovado com 51,9% dos votos em um plebiscito no mês anterior. Tendo prometido estabilidade política, a primeira-ministra vem enfrentando turbulências em série.

A líder britânica viu sua maioria parlamentar ser reduzida em eleições antecipadas que ela mesma convocara, em junho de 2017. Além disso, May teve sua popularidade corroída por crises inesperadas no ano passado, incluindo uma sequência de ataques terroristas no país e o incêndio na torre Grenfell, em Londres, que deixou mais de 70 mortos. No campo econômico, a libra esterlina manteve a tendência de desvalorização verificada desde o plebiscito sobre o “brexit”.

A princípio, o mandato de May dura até 2022, e ela já indicou que deixaria a liderança do Partido Conservador antes das próximas eleições. No entanto, dado o cenário de instabilidade constante decorrente do “brexit”, concluir o mandato integralmente parece uma tarefa hercúlea para May.

O líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, durante o encontro da sigla em Liverpool (Crédito: Hannah McKay – 26.set.18/Reuters)

3. Oposição conta com naufrágio do ‘brexit’ para adiantar eleições

Enquanto o Partido Conservador se digladia a respeito da permanência de May no cargo, a oposição já se prepara para desferir um novo golpe contra a primeira-ministra. O Partido Trabalhista, principal legenda oposicionista, já indicou que votará contra o acordo sobre o “brexit” proposto pelo governo –os trabalhistas apostam na derrota de May no Parlamento para questionar sua liderança e pedir a convocação de novas eleições.

Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, acredita que o descrédito dos conservadores na condução do “brexit” pode lhe dar vantagem em uma eventual votação antecipada. Ele é o líder trabalhista mais à esquerda das últimas décadas, e sua eleição poderia representar um choque para a política britânica, acostumada com a moderação.

No entanto, a indefinição dos trabalhistas a respeito de uma estratégia para “brexit” pode confundir os eleitores, prejudicando os planos de Corbyn. Enquanto a liderança do partido defende a saída da UE em termos diferentes daqueles apresentados por May, militantes de base pressionam por um novo plebiscito para revogar o divórcio.

4. Divórcio com a UE pode incentivar independência da Escócia

O movimento pela independência da Escócia aguarda pelo desfecho do “brexit” para decidir seus próximos passos –a Escócia, parte do Reino Unido, votou pela permanência na União Europeia no plebiscito de 2016, e seus habitantes estão insatisfeitos com os termos do divórcio com o bloco regional.

Nicola Sturgeon, líder do SNP (Partido Nacional Escocês, na sigla em inglês), espera a oficialização do “brexit” para convocar um novo plebiscito sobre a independência da Escócia. Uma votação em 2014 decidiu pela permanência no Reino Unido, mas pesquisas de opinião sugerem que os escoceses apoiariam a independência caso isso levasse à sua reintegração à UE.

Nesse sentido, os abalos sísmicos do “brexit” se fazem sentir para além da política e da economia, ameaçando a própria integridade territorial do Reino Unido.