Os ataques de radicais de direita nos EUA são atos de terrorismo?
Uma série de episódios de violência perpetrados por extremistas de direita nos Estados Unidos na semana passada gerou um debate sobre a parcialidade no emprego do termo “terrorismo”.
No primeiro incidente, pacotes explosivos foram enviados ao longo da semana para líderes do Partido Democrata, incluindo a ex-secretária de Estado Hillary Clinton e o ex-presidente Barack Obama, além de alvos como a emissora CNN –ninguém ficou ferido, e um suspeito foi detido na Flórida na sexta-feira (26). Além disso, dois idosos negros foram assassinados a tiros em uma loja em Kentucky na quarta (24) –antes do ataque, o suspeito havia proferido ofensas raciais. E, no sábado (27), um atirador invadiu uma sinagoga em Pittsburgh, matando 11 fiéis –o massacre é considerado o ataque antissemita mais sangrento na história do país.
Os três ataques foram cometidos por homens brancos de extrema direita, e os dois últimos incidentes estão sendo investigados como crimes de ódio. Por outro lado, grande parte dos políticos e veículos de comunicação do país evitam empregar o termo “terrorismo” para descrever os episódios. Enquanto isso, ataques recentes motivados pelo extremismo islâmico, como o massacre em uma boate em Orlando e uma série de explosões nos Estados de Nova York e Nova Jersey, ambos em 2016, foram prontamente associados ao terrorismo.
A legislação americana diz que o “terrorismo inclui o uso ilegal da força e de violência contra pessoas ou propriedades para intimidar ou coagir um governo, a população civil ou um segmento dela em prol de objetivos políticos ou sociais”. De fato, o texto da lei não faz distinção de motivação para o emprego de violência com fins políticos, de forma que os ataques da semana passada poderiam ser entendidos como atos de terrorismo.
“Desde os atentados de 11 de Setembro, os Estados Unidos entendem o terrorismo quase exclusivamente como um problema relacionado a jihadistas”, diz Daniel Byman em artigo publicado na revista Foreign Policy no sábado. “Muito menos atenção foi dada à violência de extrema direita, como a cometida por neonazistas, cidadãos soberanos (movimento ultraliberal americano), grupos anti-imigração, entre outros.”
Para o autor, é um erro deixar de classificar ataques da extrema direita, tal qual o atentado em Pittsburgh, como terrorismo. Identificar grupos radicais como terroristas, diz, “poderia forçar os Estados Unidos a empregar mais recursos no combate a antissemitas, nacionalistas brancos e extremistas violentos”.
Em artigo publicado na segunda (29) pela emissora Al Jazeera, Khaled Beydon também critica a associação quase exclusiva entre o terrorismo e os muçulmanos. “Esses perpetradores [não -muçulmanos] costumam ser taxados de ‘lobos solitários’ ou apenas de ‘atiradores violentos’, rótulos que os livram da associação com o terrorismo na mente dos americanos”, afirma.
“O Islã, para os políticos e parte da grande mídia, tem o monopólio da ideologia por trás do terrorismo” acrescenta. O autor diz que a parcialidade no uso do termo “terrorismo” alimenta a islamofobia, além de esvaziar o sentido da palavra. Por isso, ele sugere que se deixe de empregá-la.
Ademais, a distinção no emprego do termo para descrever episódios de violência política não reflete o fato de que, desde o 11 de Setembro, extremistas islâmicos e radicais de direita deixaram um número parecido de vítimas no país –104 pessoas foram assassinadas por aqueles, enquanto estes mataram 86, de acordo com levantamento do centro de estudos New America.
A discussão sobre o significado do terrorismo não se limita aos Estados Unidos. No Brasil, parlamentares conservadores propõem endurecer a lei antiterrorismo, sancionada por Dilma Rousseff em 2016 –críticos temem que a mudança leve à criminalização de movimentos sociais e prejudique a liberdade de manifestação.