Sumiço de jornalista tensiona relação da Arábia Saudita com Ocidente; entenda

O desaparecimento do jornalista saudita Jamal Khashoggi, crítico da família real que governa seu país, abalou as relações de Riad com seus aliados no Ocidente.

A suspeita de que Khashoggi tenha sido assassinado em Istambul na semana passada a mando do regime saudita gerou indignação nos Estados Unidos, aumentando pressão sobre o presidente Donald Trump para que reveja seus laços com Riad.

Entenda o caso por meio de perguntas e respostas:

Foto de dezembro de 2014 mostra o jornalista saudita Jamal Khashoggi quando era diretor do canal New Arabic News (C[redito: Hasan Jamali-15.dez.2014/AP)
1. O que aconteceu?

Khashoggi, 59, é um renomado jornalista saudita e colunista do “Washington Post”. Antigo aliado da família real, ele fugiu do país no ano passado e passou a criticar os rumos do país. Em suas colunas, o jornalista acusava Mohammed bin Salman, o poderoso príncipe herdeiro saudita, de intensificar a repressão a dissidentes e de provocar instabilidade em outros países do Oriente Médio.

Khashoggi está desaparecido desde 2 de outubro, quando visitou o consulado saudita em Istambul para regularizar documentos. Imagens de câmeras de segurança mostram o jornalista entrando no prédio, mas não saindo dali. Autoridades turcas suspeitam que o jornalista tenha sido assassinado por 15 agentes sauditas infiltrados no país.

Fontes ligadas à investigação dizem ter evidências de que Khashoggi foi torturado e morto no consulado, tendo seu corpo desmembrado e posteriormente transportado para a residência do cônsul saudita em Istambul. Os detalhes do crime parecem apontar para o envolvimento direto de autoridades sauditas no episódio.

2. O que diz a Arábia Saudita?

A Arábia Saudita nega envolvimento e diz que Khashoggi deixou o consulado pouco após a visita. O consulado saudita em Istambul afirmou em nota que as acusações “não têm fundamento” e questionou a credibilidade das informações vazadas à imprensa por autoridades turcas.

O desaparecimento do jornalista ameaça os planos de Mohammed bin Salman para melhorar a imagem da Arábia Saudita. Desde que assumiu a sucessão do trono saudita, em junho de 2017, o príncipe vem conduzindo uma série de reformas modernizantes –dentre outras iniciativas, destacam-se a permissão para que mulheres dirijam e a prisão de integrantes da família real acusados de corrupção.

Ademais, Mohammed bin Salman é responsável por um giro na política externa da Arábia Saudita com a bênção dos Estados Unidos. Além de alimentar guerras civis na Síria e no Iêmen, o país se aproximou de Israel, isolou seu antigo aliado Qatar e elevou o tom contra o Irã na disputa por hegemonia regional.

Imagem obtida de câmeras de segurança mostra o Jamal Khashoggi entrando no consulado saudita em Istambul antes de desaparecer (Crédito: CCTV/Hurriyet/Associated Press)

3. Qual foi a reação dos Estados Unidos?

O sumiço de Khashoggi provocou indignação nos Estados Unidos, gerando pressão de congressistas republicanos sobre o governo de Donald Trump. O embaixador saudita em Washington retornou ao seu país sem prestar esclarecimentos. “Se for o que todos achamos que é, mas não temos certeza, terá de haver sanções significativas contra as mais altas esferas”, afirmou o senador republicano Bob Cooker, presidente do comitê de relações exteriores do Senado.

Trump mantém relações calorosas com o reino saudita, tendo escolhido Riad como destino de sua primeira viagem ao exterior, na qual fechou um acordo de US$ 110 bilhões (cerca de R$ 410 bilhões) para a venda de armas. O presidente disse “não gostar da situação”, mas descartou a revisão do acordo militar como forma de retaliar a Arábia Saudita. Ele também afirmou ter enviado agentes à Turquia para ajudar na investigação sobre o caso, mas não está claro se as autoridades turcas aceitarão a participação dos americanos.

Após o desaparecimento de Khashoggi, o Washington Post prometeu trabalhar “sem descanso” para esclarecer o episódio e elevou o tom de suas críticas à Arábia Saudita. Em solidariedade, veículos de imprensa como Financial Times, CNN e CNBC decidiram boicotar uma conferência global de investidores em Riad marcada para o fim do mês. O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, também cancelou sua presença no encontro.

4. Como este episódio afeta o Oriente Médio?

É improvável que o sumiço de Khashoggi leve o governo Trump a reorientar drasticamente sua relação com a Arábia Saudita, pois o país exerce um papel central na estratégia dos Estados Unidos para o Oriente Médio. Ainda assim, o caso pode levar outros países do Ocidente a aplicarem sanções contra a Arábia Saudita. Países da Europa e o Canadá, por exemplo, já são mais críticos do que os americanos ao regime de Riad, mesmo que ainda tratem o país como aliado.

É difícil para o Ocidente justificar a inação diante deste caso, pois a comunidade internacional costuma responder de maneira dura a países que tentam assassinar dissidentes no exílio. Por exemplo, o envenenamento do ex-militar russo Sergei Skripal na Inglaterra, em março, levou dezenas de países a expulsarem diplomatas russos, ainda que o Kremlin negue envolvimento no episódio. Da mesma forma, os Estados Unidos impuseram sanções contra a Coreia do Norte depois que um meio-irmão do ditador Kim Jong-Un foi assassinado com uma substância tóxica na Malásia, em fevereiro de 2017.

Caso se comprove que Khashoggi foi assassinado, a Arábia Saudita pode virar alvo de sanções de países que, até então, vinham aplaudindo as reformas de Mohammed bin Salman e relevando as violações de direitos humanos perpetradas pelo reino saudita no próprio país e na vizinhança. O fato é que o episódio joga um balde de água fria nos esforços da Arábia Saudita para melhorar sua imagem no exterior. A comoção que o episódio causou nos Estados Unidos é uma evidência de que a sociedade civil não tolera mais que seu governo se associe a países autoritários sem restrições. Um eventual isolamento da Arábia Saudita reduziria sua capacidade de interferir nos assuntos internos de outros países do Oriente Médio, alterando o equilíbrio de forças na região.