Entenda a iminente batalha de Idlib, capítulo final da guerra na Síria
Milhares de civis e combatentes da oposição síria se preparam para uma provável ofensiva do regime do ditador Bashar al-Assad sobre a província de Idlib, último reduto rebelde no país.
A batalha será decisiva para determinar o desfecho da guerra civil que assola a Síria há mais de sete anos, e pode provocar uma catástrofe humanitária sem precedentes em um conflito que já deixou ao menos meio milhão de mortos.
Os ataques aéreos sobre territórios controlados pelos rebeldes se intensificaram nas últimas semanas, levando aproximadamente 30 mil civis a fugirem para a região de fronteira com a Turquia, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). Em breve, pode ter início uma grande ofensiva por terra planejada pelas tropas de Assad junto à Rússia e ao Irã, seus principais aliados externos.
Entenda, abaixo, a batalha de Idlib e sua importância para a região:
1. Batalha pode levar ao ‘pior desastre humanitário’ do século
A ONU alertou que, caso o regime sírio siga adiante com sua ofensiva sobre os rebeldes, Idlib poderá ser o palco do “pior desastre humanitário” do século 21.
“Nós tememos que o pior ainda esteja pela frente”, disse nesta semana Jens Laerke, porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês). “Eles [tropas do regime sírio] têm capacidade para matar e destruir (…) Existe o risco de que esta seja a pior crise humanitária do século 21.”
Até aqui, Idlib era considerada uma zona de desescalada do conflito, estando sob um cessar-fogo parcial e servindo de porto seguro para rebeldes e civis que fugiram de outras partes do país nos últimos anos. Mas os demais enclaves insurgentes foram gradualmente retomados pelo regime de Assad, e os combatentes da oposição não têm mais para onde fugir. Com isso, Idlib deve se tornar o palco da última batalha entre os rebeldes e o Exército sírio.
Na semana passada, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, se reuniu com os líderes da Rússia, Vladimir Putin, e do Irã, Hassan Rouhani, em busca de um cessar-fogo na Síria, mas o esforço diplomático caiu por terra. A Turquia quer conter a ofensiva do regime sírio pois, além de apoiar grupos rebeldes em Idlib, o país seria o principal destino dos milhares de refugiados que fugiriam dali. A Turquia já hospeda 3,5 milhões de sírios –a maior população de refugiados do mundo— e diz que não tem condições de abrigar mais pessoas.
Alguns observadores na região, porém, dizem que o início da ofensiva ainda pode demorar.
2. Mais de um terço dos civis em Idlib fugiu de outras partes do país
Há cerca de 3 milhões de civis nas áreas controladas pelos rebeldes em Idlib e, segundo a organização humanitária Reach, cerca de 36% das pessoas em Idlib são deslocadas internas –ou seja, fugiram de ofensivas do regime sírio sobre outras partes do país nos últimos anos, principalmente nas províncias de Aleppo, Hama, Homs e Damasco.
A grande presença de deslocados internos sobrecarrega a já limitada infraestrutura da região. Além disso, muitos dos deslocados internos vivem em campos superlotados, onde é escasso o acesso a comida, eletricidade e atendimento médico. A ofensiva sobre a região deve agravar ainda mais sua situação.
A retomada de Idlib é estratégica para o regime sírio pois deve colocar o último prego no caixão da rebelião que teve início em março de 2011, na esteira dos protestos da Primavera Árabe. A batalha também é importante do ponto de vista econômico: a província tem cerca de 6 mil quilômetros quadrados –quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo— e é cortada pela rodovia M4, uma das mais importantes do país. Retomar o controle total da estrada contribuiria para reintegrar o país territorialmente.
3. Civis estão vulneráveis a ataques com armas químicas
Assim como em outros momentos na guerra civil, os civis em Idlib estão vulneráveis a ataques químicos, proibidos pela lei internacional.
Os Estados Unidos e aliados europeus alertaram o regime de Assad contra o uso de armas químicas, ameaçando retaliar com ataques contra instalações militares –tal como fizeram em abril, após um ataque químico em Douma, na periferia de Damasco.
Enquanto isso, a Rússia acusa rebeldes sírios de armarem ataques químicos falsos para responsabilizar o regime de Assad e provocar uma reação internacional. A Rússia nega que o regime sírio tenha armas químicas e culpa os rebeldes por ataques registrados anteriormente.
4. Muitos dos rebeldes em Idlib são jihadistas
Estima-se que haja aproximadamente 50 mil combatentes rebeldes em Idlib. Muitos fazem parte da Frente de Libertação Nacional, que é apoiada pela Turquia e congrega vários grupos armados, incluindo islamitas. Outro grupo influente na região é o Hay’at Tahrir al-Sham, uma ex-filial da rede terrorista Al Qaeda que possui cerca de 10 mil homens.
A presença de jihadistas em Idlib complica as perspectivas para um eventual acordo de paz. Não tendo para onde fugir, muitos rebeldes se comprometeram a lutar até a morte. De resto, há os combatentes que foram radicalizados no exterior e viajaram à Síria para lutar, e que ao retornarem para seus países podem vir a realizar atentados.
5. Retomada de Idlib não resolve violência na Síria
A eventual retomada de Idlib pelas forças do regime sírio deve confirmar o fracasso dos rebeldes em derrubar Assad. Há tempos, os grupos que lutam contra o regime sírio foram capturados por interesses externos e já não representam as aspirações democráticas da Primavera Árabe.
Mesmo com a derrota dos rebeldes, a violência na Síria tende a continuar. Há o risco de ataques esporádicos de combatentes ressentidos que venham a se reintegrar na sociedade síria, além da repressão historicamente promovida pelo regime.
Ademais, novas frentes de batalha se abriram no decorrer do conflito, o que deve prolongar a insegurança. Por exemplo, Israel vem intervindo na Síria para tentar conter a crescente influência de seu rival Irã no país.
Outro potencial ponto de atrito diz respeito à minoria curda, cujos combatentes conquistaram largas porções de território no nordeste do país após assumirem a linha de frente da luta conta o Estado Islâmico. Historicamente marginalizados pelos governos da região, os curdos precisarão negociar sua autonomia com regime de Assad e também se proteger de ofensivas da Turquia –nos últimos anos, o governo de Erdogan interveio no norte da Síria para conter o avanço dos curdos, aliados de insurgentes curdos no sul da Turquia.