O que é o Tribunal Penal Internacional, alvo de ameaças dos EUA?

O governo dos Estados Unidos fez nesta segunda-feira (10) críticas e ameaças ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em reação a uma possível investigação da corte sobre crimes cometidos pelos americanos na Guerra do Afeganistão.

“Os Estados Unidos lançarão mão de todos os meios necessários para proteger nossos cidadãos e os [cidadãos] de nossos aliados da perseguição injusta por essa corte ilegítima”, afirmou o conselheiro de segurança nacional americano, John Bolton.

O auxiliar do presidente Donald Trump disse ainda que os EUA poderão impor sanções contra o TPI e os juízes da corte, além de impedir a entrada de funcionários do órgão no país. O tribunal reagiu, em nota, reafirmando sua “independência e imparcialidade” e ressaltando seu compromisso com a promoção de justiça para vítimas de crimes de guerra.

O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton (Crédito: 10.set.2018 - AFP)
O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton (Crédito: 10.set.2018 – AFP)

Mas, afinal, o que é o TPI?

O TPI é um importante instrumento do direito internacional

O TPI foi criado em 1998, com base no Estatuto de Roma, e passou a funcionar em julho de 2002. Com sede em Haia, na Holanda, o tribunal é responsável por investigar e julgar pessoas acusadas dos crimes mais graves: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e a agressão contra outros países.

A ideia de criar uma corte para julgar esses crimes remonta à experiência dos Julgamentos de Nuremberg, que se debruçaram sobre os crimes cometidos por autoridades da Alemanha Nazista. Outros precedentes importantes para o TPI foram os tribunais temporários para lidar com os conflitos na ex-Iugoslávia (criado em 1993) e em Ruanda (que data de 1994).

O TPI é diferente de outros tribunais porque tem caráter permanente e investiga crimes em vários países. Além disso, o TPI difere da Corte Internacional de Justiça (CIJ) –que também é sediada em Haia— porque investiga e julga indivíduos, enquanto a CIJ arbitra disputas entre Estados.

Atualmente, 123 países são membros do TPI, inclusive o Brasil. Ao aderir à corte, um Estado concorda em submeter seus cidadãos à jurisprudência do tribunal e em cooperar com as investigações.

Mas sua eficácia está sujeita à vontade de autoridades nacionais

Embora seja um dos principais instrumentos do direito internacional, a eficácia do TPI está sujeita à vontade política de autoridades nacionais. De fato, o TPI é considerado um tribunal de última instância e só entra em ação quando autoridades de um país falham em processar pessoas suspeitas de praticar os crimes mencionados anteriormente.

Como o TPI não possui forças policiais, ele depende da colaboração de seus Estados membros para investigar e prender suspeitos. Cidadãos de países não signatários do Estatuto de Roma também podem ser julgados pelo TPI caso sejam levadas à corte pelo Conselho de Segurança da ONU, quando a pessoa em questão representar uma “ameaça à paz” internacional.

É o caso do ditador do Sudão, Omar al-Bashir. Ele foi indiciado em 2009 pelo TPI por ordenar ataques contra a população de seu país, incluindo assassinatos, torturas, estupros e transferências forçadas. Os crimes foram registrados na região de Darfur, no sudoeste do país, onde, desde 2003, mais de 300 mil pessoas foram mortas. Como o Sudão não é membro do TPI, as autoridades do país não são obrigadas a entregar Bashir, e até hoje ele se encontra foragido. Ainda assim, Bashir pode ser capturado caso visite algum país membro do TPI.

Não integram o TPI algumas das principais potências do mundo, como Estados Unidos, Rússia e China. Esses países têm poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, o que praticamente blinda seus cidadãos de processos no TPI.

O ditador do Sudão, Omar al-Bashir, é acusado de genocídio e crimes contra a humanidade
O ditador do Sudão, Omar al-Bashir, é acusado de genocídio e crimes contra a humanidade (Crédito: Zhai Jianlan/Xinhua)

Até agora, apenas pessoas da África foram investigadas pela corte

Desde a criação do TPI, foram abertos inquéritos contra suspeitos de cometerem crimes em oito países, todos localizados na África: República Centro-Africana, Costa do Marfim, Sudão, República Democrática do Congo, Quênia, Líbia, Mali e Uganda.

No total, o TPI abriu casos contra 43 pessoas, sendo que 15 estão foragidas e quatro morreram antes de serem julgadas. Atualmente, seis pessoas estão sob custódia do tribunal.

A concentração das investigações da corte sobre a África gerou acusações de que o TPI teria um viés racista ou de que agiria motivado por interesses imperialistas. Em 2016, Burundi, Gâmbia e África do Sul pediram seu desligamento do TPI –a África do Sul desistiu da saída após sua Suprema Corte declarar que o movimento seria inconstitucional.

Além dos casos na África, nos últimos anos o tribunal iniciou uma investigação sobre violações cometidas na invasão da Rússia à Geórgia, em 2008, e anunciou investigações preliminares sobre crimes cometidos no Afeganistão, no Iraque, na Palestina e na Venezuela, dentre outros. O TPI também é visto como solução para trazer à Justiça responsáveis por crimes no contexto da guerra civil na Síria e da perseguição contra os rohingyas em Mianmar.