Entenda a briga entre as ‘Big Tech’ e a ultradireita nos EUA

Empresas de tecnologia têm fechado o cerco contra personalidades da ultradireita nos Estados Unidos, suspendendo páginas nas redes sociais acusadas de propagar desinformação e incitar ao ódio.

Na semana passada, foi a vez de Alex Jones, promotor de teorias da conspiração e criador do site InfoWars, ter suas páginas deletadas no Facebook, Youtube, Spotify, Apple Podcasts e Vimeo. Dentre as teorias conspiratórias divulgadas por Jones, destacam-se a alegação de que o governo americano seria responsável pelo 11 de Setembro e a tese de que o massacre na escola Sandy Hook, em 2012, seria uma farsa arquitetada para aumentar o controle sobre a venda de armas.

As empresas de tecnologia afirmam que os vídeos produzidos por Jones violam suas políticas de privacidade por usar linguagem desumanizante para descrever minorias sociais como transgêneros, muçulmanos e imigrantes. Outras personalidades conservadoras têm tido suas páginas removidas com base em argumentos semelhantes.

Entenda, em cinco perguntas e respostas, a briga entre as gigantes da tecnologia e a chamada alt-right (direita alternativa, em inglês).

1. QUAL A RELEVÂNCIA DA ALT-RIGHT?

Grupos ultraconservadores são uma pequena minoria no cenário político americano, mas sua influência tem crescido desde chegada de Donald Trump ao poder. Há um ano, por exemplo, a alt-right surpreendeu ao organizar uma marcha na cidade de Charlottesville em que manifestantes carregaram tochas e gritaram slogans contra negros, imigrantes e judeus; na ocasião, um manifestante avançou de carro sobre uma multidão, causando a morte de uma ativista antifascista. Uma segunda edição da marcha, realizada no domingo (12) em Washington, contou com poucas dezenas de participantes.

Graças às redes sociais, Alex Jones e outras personalidades da alt-right têm ampliado sua influência, divulgando ideias ultraconservadoras para milhões de pessoas. Ainda que o establishment político em grande parte rejeite a alt-right, suas ideias vêm se consolidando no discurso de políticos mais tradicionais. Conforme argumenta Vegas Tenold em artigo no jornal britânico “The Guardian”, a ascensão de líderes ultraconservadores acaba “nos deixando adormecidos diante de candidatos e ideias que, há apenas um ano, seriam [considerados] totalmente inaceitáveis”.

2. POR QUE AS EMPRESAS DE TECNOLOGIA TÊM BANIDO PERFIS CONSERVADORES?

Gigantes de tecnologia têm sofrido fortes críticas por permitir a veiculação de notícias falsas e discurso de ódio em seus sites. A pressão sobre o Vale do Silício é tanta que, em abril, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, admitiu em depoimento ao Congresso americano que a empresa falhou em prevenir práticas maliciosas em suas plataformas.

O aumento da pressão das empresas de tecnologia sobre a alt-right também está relacionada ao temor de que a propagação de notícias falsas afete as eleições legislativas de novembro, prejudicando a democracia nos EUA –em julho, o Facebook deletou dezenas de páginas e perfis falsos ligados a uma campanha para tentar interferir no pleito. A difusão das chamadas fake news nas redes sociais é apontada como uma das causas da vitória de Donald Trump na corrida presidencial de 2016.

Captura da tela do site InfoWars, de Alex Jones, em que são exibidos produtos à venda como suplementos de vitamina. Um banner diz que a compra dos produtos ajuda a "combater os bullies" e "salvar a internet" (Crédito: Reprodução)
Alex Jones vende suplementos de vitaminas para sustentar as atividades do InfoWars (Crédito: reprodução)

3. QUAL A REAÇÃO DAS PERSONALIDADES AFETADAS?

Após ter suas páginas deletadas, Alex Jones acusou as gigantes de tecnologia de tentarem censurá-lo, cerceando sua liberdade de expressão. Ele acusa as empresas de agirem sob pressão da mídia liberal e do governo chinês, que teriam interesse em prejudicar a sua “agenda patriota”.

Personalidades da alt-right banidas das principais redes sociais têm migrado para sites alternativos. Um deles é o Gab, uma espécie de Twitter paralelo que se diz “defensor da liberdade de expressão” –além de Jones, integram a plataforma Richard Spencer, líder nacionalista branco, e Andrew Anglin, editor do site neonazista Daily Stormer. Há também o WrongThink (alternativa ao Facebook), o PewTube (análogo ao YouTube) e o WASPlove (uma espécie de Tinder para nacionalistas brancos).

4. O QUE DIZ A LEI AMERICANA?

A Constituição americana protege, em sua primeira emenda, a liberdade de expressão e de imprensa. Além disso, a jurisprudência do país no geral adota uma interpretação bastante ampla do princípio de liberdade de expressão, permitindo que cidadãos propaguem ideias racistas e xenófobas que em outros países, incluindo o Brasil, seriam consideradas discurso de ódio.

Tendo isso em vista, percebe-se que a pressão crescente sobre a alt-right vem sobretudo de corporações de tecnologia, não de legisladores ou promotores. A alta discricionariedade de empresas privadas sobre o tipo de conteúdo veiculado nas redes sociais gera questionamentos a respeito dos poderes das gigantes de comunicação: quais devem ser as diretrizes contra a propagação de discurso de ódio na internet? E quando a remoção de conteúdo deixa de ser benéfica à democracia e passa a caracterizar censura? A ausência de regulação das redes sociais deixa essas perguntas sem resposta.

5. QUAL A RELEVÂNCIA DISSO PARA O BRASIL?

A suspensão permanente de páginas de Alex Jones repercutiu entre personalidades da direita no Brasil. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidenciável Jair Bolsonaro, declarou apoio a Jones em publicação no Twitter, dizendo: “Somos todos Alex Jones aqui no Brasil!”

Além disso, as empresas que têm banido personalidades da alt-right nos EUA de suas plataformas também controlam as redes sociais no Brasil, de modo que as diretrizes adotadas lá podem começar a valer por aqui também. Em julho, o Facebook desativou 196 páginas e 87 perfis falsos ligados ao grupo de direita MBL (Movimento Brasil Livre) por violarem as políticas de privacidade da rede social –o grupo acusou o Facebook de praticar censura. Não está claro, porém, se as gigantes de tecnologia adotarão medidas mais incisivas contra a propagação de discurso de ódio no Brasil.