Como as fake news afetam eleições ao redor do mundo?

A divulgação de notícias falsas tem afetado cada vez mais processos eleitorais ao redor do mundo. Embora não sejam um fenômeno recente, as chamadas fake news têm obtido alcance inédito graças às novas dinâmicas de comunicação, em especial o caráter descentralizado da circulação de conteúdo nas redes sociais.

A pouco mais de dois meses das eleições presidenciais no Brasil, a circulação de informações falsas já tem causado barulho. Na semana passada, o Facebook anunciou a retirada de 196 páginas e 87 perfis ligados ao grupo de direita MBL (Movimento Brasil Livre) e que, segundo a empresa, propagavam conteúdo enganoso, violando as políticas de privacidade de rede social.

Considerando os potenciais efeitos negativos das fake news sobre a democracia, o “Mundialíssimo” analisa como a propagação de boatos e mentiras afetou eleições recentes em quatro países diferentes. Confira:

1. ESTADOS UNIDOS

De olho nas eleições legislativas dos Estados Unidos marcadas para novembro, o Facebook anunciou na terça-feira (31) a remoção de 32 páginas e perfis falsos que faziam parte de uma campanha coordenada na rede social para tentar interferir no pleito. Não está claro quem está por trás dessas contas, que, juntas, tinham cerca de 290 mil seguidores.

Os americanos temem que as fake news voltem a impactar suas eleições. Nos meses que antecederam as eleições presidenciais de 2016, conteúdos falsos de grande circulação no Facebook geraram mais engajamentos do que reportagens produzidas por veículos de comunicação confiáveis, de acordo com levantamento feito à época pelo portal BuzzFeed. Segundo o estudo, a maioria dessas notícias falsas favorecia o republicano Donald Trump, que acabou vencendo as eleições.

Autoridades americanas vêm investigando se o governo da Rússia tentou interferir no pleito em favor de Trump por meio da divulgação de notícias falsas nas redes sociais e de ciberataques contra alvos do partido Democrata. O Kremlin nega as acusações.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, é vista entre bandeiras do Reino Unido e da União Europeia em cúpula em Bruxelas, em dezembro de 2017
As fake news afetaram o plebiscito sobre a saída britânica da UE, em 2016 (Crédito: Eric Vidal – 14.dez.2017/Reuters)

2. REINO UNIDO

Para muitos britânicos, a inesperada vitória da campanha pela saída da União Europeia (UE) no plebiscito de junho de 2016 é resultado da propagação de fake news.  Opositores da retirada britânica do bloco europeu acusam líderes da campanha em favor do chamado “brexit” de terem divulgado mentiras para conquistar mais votos.

Dentre as principais informações falsas veiculadas antes do pleito, destaca-se um anúncio de campanha que prometia redirecionar para o sistema de saúde britânico £ 350 milhões (cerca de R$ 1,7 bilhão) supostamente gastos por semana em pagamentos à UE.

Na realidade, a diferença entre pagamentos do Reino Unido ao bloco europeu e os investimentos que o país recebe em troca é bem menor que o valor alegado, sendo estimado em £ 160 milhões (R$ 780 milhões, aproximadamente). Ademais, devido a outros gastos que o governo britânico deverá assumir após a oficialização da saída da EU, prevista para 2019, o saldo disponível para novos investimentos no setor da saúde será muito aquém do prometido pelos políticos favoráveis ao “brexit”.

Visando combater as notícias falsas, uma comissão do Parlamento britânico defendeu, em relatório publicado na segunda-feira (30), que empresas de tecnologia como o Facebook sejam reguladas e que sejam responsabilizadas pela circulação de material “ofensivo e enganoso” em suas plataformas.

Matteo Salvini, ministro do Interior italiano, discursa em frente a painel com foto de imigrantes africanos em barco no Mediterrâneo
Matteo Salvini, da xenófoba Liga, uma das beneficiárias de fake news na Itália (Angelo Carconi-20.jun.18/Ansa/Associated Press)

3. ITÁLIA

A Itália, que foi às urnas em março, vem adotando uma série de medidas para tentar combater as notícias falsas.

Por exemplo, escolas públicas do país têm oferecido cursos de alfabetização digital para seus alunos para que aprendam a diferenciar conteúdo falso de reportagens reais. Além disso, a polícia criou um serviço para recolher denúncias de notícias falsas, e empresas de tecnologia passaram a verificar a veracidade de informações que circulam em suas redes.

Demonstrando sua preocupação com as fake news, o governo italiano afirmou, em relatório publicado em fevereiro, que as campanhas de desinformação são uma das maiores ameaças à democracia.

Não está claro, porém, se as medidas adotadas para prevenir a disseminação de notícias falsas alcançaram o efeito desejado. Partidos populistas como o 5 Estrelas e a Liga, que costumam ser os principais beneficiários de notícias de desinformação, tiveram desempenho inédito no pleito e hoje compõem o governo do país.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que busca novo mandato, faz comício em Istambul em junho
Recep Tayyip Erdogan, que diz ser vítima de fake news, encarcera jornalistas na Turquia (Kayhan Ozer – 22.jun.18/Presidência da Turquia/AFP)

4. TURQUIA

Durante a campanha para as eleições presidenciais de junho, candidatos ligados ao governo e à oposição afirmaram ter sido vítimas de notícias falsas.

“Há muita desinformação em relação aos candidatos e ao processo de votação, e isso pode acabar prejudicando a confiança dos eleitores”, disse Mehmet Atakan Foca, diretor da agência de verificação de fatos Teyit, em entrevista à emissora Al Jazeera. “Nós não sabemos quem está por trás da propagação de notícias falsas, sendo possível que pessoas estejam sendo pagas para espalhar desiformação.”

No caso da Turquia, está cada vez mais difícil contrapor-se às notícias falsas. O presidente Recep Tayyip Erdogan, reeleito no pleito de junho, tem encarcerado centenas de jornalistas e fechado veículos de comunicação ligados à oposição, acusando-os de ligação com o terrorismo. Sem jornalismo profissional e independente, distinguir o que é fato do que é mentira é impossível.