Por que Vladimir Putin deu uma bola para Donald Trump?

A entrevista coletiva de Donald Trump e Vladimir Putin na segunda-feira (16), em Helsinque, foi bastante incomum. O presidente americano, por exemplo, negou que o russo tenha interferido em sua eleição em 2016 — ignorando as investigações levadas a cabo em seu país, que apontam justamente o contrário. Ambos deram sinais, ademais, de uma cordialidade incomum entre os líderes das duas nações que disputam a hegemonia global há décadas. Putin chegou a falar no fim da Guerra Fria. Mas um dos momentos mais interessantes do encontro foi a decisão de Putin de presentear Trump com uma bola de futebol, dias depois de encerrar a Copa do Mundo da Rússia.

– Senhor presidente, eu vou lhe dar esta bola – disse Putin, entregando o objeto esférico a Trump – e agora a bola está na sua quadra.
– Isso vai para o meu filho, Barron – respondeu o americano, e depois lançou o presente à mulher – Na verdade, Melania, aqui está.

A própria Casa Branca publicou a cena em sua conta oficial no Twitter:

Não teria sido tão estranho caso o contexto fosse outro, segundo um texto do jornal americano New York Times, em que a repórter Katie Rogers esmiúça o significado do presente. “Em qualquer outra situação diplomática, poderia ter sido engraçado, mesmo insignificante. Mas, nesse caso, de acordo com analistas e legisladores que assistiram à entrevista coletiva, a bola foi uma metáfora para o quanto Putin conseguiu marcar pontos contra o americano nesse exercício diplomático”, escreve Rogers. Um dos entrevistados dela, Brian Taylor, diz que Trump marcou diversos gols contra durante o encontro com o russo — saiu enfraquecido e foi criticado mesmo por seus aliados.

A frase de Putin de que “a bola está na sua quadra” foi provavelmente um revide pelo que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, havia dito horas antes do encontro em uma mensagem publicada em uma rede social (“a bola está na quadra dos russos”). O embaixador americano na Rússia, Jon Huntsman Jr., havia dito o mesmo recentemente. A expressão funciona melhor em inglês, em que se diz “the ball is in your court” para sugerir que agora cabe ao outro agir.

Mais tarde, em uma entrevista à rede Fox News, Trump disse que “a bola era muito legal, era realmente muito legal”. Em paralelo, analistas nas redes sociais sugeriam que o objeto pudesse estar grampeado e, portanto, não deveria voar aos EUA — ou ao menos precisaria ser estudado antes. Foi o que disse, aliás, o senador republicano Lindsey Graham. Criticando Trump por não ter sido mais duro com Putin, ele comentou sobre o presente: “Se fosse eu, vasculharia a bola em busca de grampos e nunca permitiria que fosse à Casa Branca”.

A ideia não é tão estapafúrdia. Nas últimas semanas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a União Soviética presenteou o embaixador americano Averell Harriman com um selo de madeira como um gesto de amizade. O artefato foi entregue por jovens soviéticos e passou sete anos no escritório da residência do diplomata até ser descoberto em 1952 — era um grampo e monitorava as conversas. Esse selo é conhecido até hoje, no jargão da espionagem americana, como A Coisa.