Qual é a dimensão real da tal crise de refugiados na Europa?

A julgar pelas manchetes dos jornais, a União Europeia está à beira de um apocalipse migratório. Desde 2015, o ano que registrou o ápice da chegada de refugiados ao bloco econômico, os governos tratam dessa questão como uma de suas prioridades absolutas. A presença de tantos solicitantes de asilo alimentou, ademais, o crescimento de partidos ultranacionalistas de direita — como a Liga, que hoje governa na Itália.

Existe sim uma crise no continente, com um enorme impacto entre os cidadãos. Mas afinal qual é o seu tamanho real? Para contribuir ao debate, este Mundialíssimo blog fuçou alguns bancos de dados oficiais sobre a migração. Vocês podem, aliás, fazer a mesma coisa quando estiverem em uma discussão de bar sobre se os refugiados sírios de fato ameaçam a identidade europeia: busquem informações no Eurostat, no arquivos da agência da ONU e no escritório europeu para o asilo. São fontes mais confiáveis do que seu grupo de Whatsapp.

1. O NÚMERO DE PEDIDOS DE ASILO ESTÁ CAINDO
Um relatório recente do EASO (Escritório Europeu de Apoio ao Asilo) mostra que o número de pedidos de asilo na União Europeia caiu 44% em 2017, em comparação a 2016. A queda parece ser uma tendência desde o pico em 2015, e o valor de 2017 é bastante semelhante ao de 2014. Ou seja: ainda há uma crise, sim, mas pode estar arrefecendo. Este Mundialíssimo blog recolheu os dados disponíveis no estudo do EASO e plotou o gráfico abaixo, para ajudar na visualização da crise:

2. A EUROPA NÃO É A REGIÃO MAIS AFETADA PELA CRISE
Não parece, pela quantidade de notícias que vêm dali, mas a União Europeia não é a região mais afetada no mundo pela chegada de migrantes. Tampouco é o continente com menos recursos para lidar com o problema. Os dados do Eurostat e da agência da ONU para refugiados mostram que o país mais afetado é a Turquia — se contarmos apenas os sírios, há 3,5 milhões de pessoas refugiadas ali, em um país de 80 milhões. São quase 1 milhão no Líbano, onde vivem 6 milhões de libaneses. Para comparação: há 1 milhão de sírios na União Europeia, que congrega cerca de 500 milhões de cidadãos.

3. A MAIOR PARTE DOS SÍRIOS ESTÁ DESLOCADA NO PRÓPRIO PAÍS
Dos 12 milhões de sírios que tiveram de deixar suas casas na guerra civil, metade está dentro do próprio país. Ou seja: não afetam nem Europa, nem Oriente Médio. São pessoas que ainda vivem cercadas pelo conflito e sem nenhuma perspectiva de voltar aos seus lares.

4. OS REFUGIADOS DEIXAM SEU PAÍS PARA SOBREVIVER
Existe um argumento recorrente entre movimentos nacionalistas na Europa. Simpatizantes de partidos como a Alternativa para a Alemanha e a Liga dizem que os refugiados na verdade deixam seus países em busca de uma vida melhor, em termos econômicos. Não é bem verdade. Segundo o EASO, a maior parte dos pedidos de asilo na União Europeia em 2017 veio da Síria (15%), um país em guerra civil desde 2011 — meio milhão de pessoas já morreu. Iraque e Afeganistão representam 7% cada um. As outras principais origens são Nigéria, Paquistão e Eritreia.

Casa destruída em Homs, na Síria, em foto de 2013. Crédito Yazen Homsy/Reuters