Por que Macron e o premiê italiano estão citando Dostoiévski?
Nas últimas semanas, dois líderes europeus citaram o escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881): o presidente francês, Emmanuel Macron, e o recém-empossado premiê italiano, Giuseppe Conte. A coincidência foi pescada pela revista americana Atlantic, que se perguntou se “a Europa está passando por um momento Dostoiévski”. Pode ser. A citação explorada por ambos os líderes nos ajuda a entender seu apelo. O escritor russo disse em 1880 que:
Os povos da Europa não têm ideia do quão queridos são para nós. Acredito que nós, os russos futuros, compreenderemos que se transformar em um genuíno russo significa finalmente buscar a reconciliação de todas as controvérsias europeias, demonstrar a solução à ânsia europeia em nossa alma russa tão humanitária e tão unificadora. Sim, o destino russo é de uma maneira incontestável europeu e universal.
Dostoiévski queria, ao proferir essas palavras diante da estátua do lendário poeta russo Pushkin, defender a ideia de um universalismo russo. Como explica a Atlantic, ele conseguiu convencer ambos os bandos daquela época: os defensores de uma identidade eslava e os entusiastas de uma aproximação com o ocidente europeu. “Duas escolas de pensamento que ainda ressoam hoje”, afirma a revista.
Macron –um presidente algo intelectual, afeito a citar filósofos– recuperou esse discurso ao se reunir com o líder russo, Vladimir Putin, no mês passado. “Todos nós temos contradições europeias a resolver com os nossos povos”, disse, acenando a Dostoiévski. Queria, assim, fortalecer a relação entre França e Rússia com base nessa referência.
O presidente francês assumiu o cargo em 2017 com uma retórica bastante dura contra Putin. Sugeriu que o líder russo havia incentivado uma campanha de desinformação durante as eleições do ano passado, por exemplo, e chegou a proibir alguns meios russos de assistir à sua posse no Louvre. Ao mesmo tempo, porém, Macron insistiu desde o início de seu mandato na necessidade de a França se reaproximar da Rússia, nestes anos de atritos entre Moscou e a União Europeia.
Já o italiano Conte manejou o discurso de Dostoiévski de maneira mais atabalhoada diante do Senado, buscando uma mensagem de “elites contra o povo” que não estava no texto original. Ele reclamou dos críticos ao seu governo, que descrevem os partidos reinantes 5 Estrelas e Liga como populistas. “Se ‘populismo’ é a atitude da classe governante para ouvir as necessidades do povo, e aqui me inspiro em Dostoiévski e Pushkin, se ser ‘antissistema’ significa introduzir um novo sistema, então essas forças políticas merecem essa descrição.”
Mas Conte, como Macron, tinha um objetivo em comum ao pinçar a fala de Dostoiévski: sinalizar a abertura de seu país a Moscou, algo prometido durante a campanha do 5 Estrelas e da Liga. Seu governo defende o fim das sanções econômicas contra a Rússia, um gesto em desalinho com a política de aliados como a Alemanha e o Reino Unido.