O que a Europa pode fazer para salvar o acordo nuclear iraniano?

Uma metáfora geográfica para resumir o noticiário internacional desta semana: a placa tectônica americana se afastou um pouco mais da europeia na terça-feira (8) com a decisão do presidente Donald Trump de abandonar o acordo nuclear com o Irã. O anúncio feito em Washington, afinal, desafiou os extensos esforços diplomáticos da União Europeia e colocou em risco o que era até então um projeto conjunto. O pacto havia sido negociado em 2015 por Barack Obama.

Os três principais países europeus –França, Alemanha e Reino Unido– responderam ao discurso de Trump e insistiram em que vão manter, sozinhos, o trato com o Irã. É sua saída para evitar que o governo de Teerã não deixe o pacto e volte a investir em seu programa nuclear.

Mas como isso pode ser feito? Este Mundialíssimo tenta explicar:

1. QUAL É A TESE DO ACORDO NUCLEAR?
O pacto firmado em 2015 sob a liderança de Obama –e ainda em vigor– exige que o Irã interrompa seu programa nuclear. Em contrapartida, o acordo oferece a suspensão de uma série de sanções econômicas impostas ao país. A tese é de que, sem aquelas sanções, firmas internacionais podem fazer negócio em Teerã e, assim, beneficiar a população local. Nesse cálculo, o governo iraniano poderia ter mais interesse em sua abertura econômica do que em seu programa nuclear.

2. SE É TÃO BOM, POR QUE HÁ RESISTÊNCIA?
Porque o acordo não parece favorável a todos os atores envolvidos. Há desconfiança de que o Irã tenha a intenção de produzir um arsenal nuclear, algo visto por Israel como uma ameaça existencial — não à toa o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, fez campanha pela saída americana do acordo. Em seu discurso de terça-feira, Trump descreveu o regime iraniano como um parceiro pouco confiável para o pacto.

3. OS LÍDERES EUROPEUS CONCORDAM COM ISSO?
Não. A avaliação feita pelos líderes da União Europeia é de que o acordo nuclear vinha funcionando. Por isso houve tamanho esforço, com visitas oficiais feitas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, e pelo chanceler britânico, Boris Johnson. Criticando a posição americana, eles descreveram o pacto como a única maneira de evitar que o Irã retomasse as suas tão temidas ambições nucleares.

4. COMO A EUROPA PODE REAGIR AO ANÚNCIO?
Em uma nota conjunta, os governos de França, Alemanha e Reino Unido disseram que vão garantir que o pacto seja preservado. Para que isso seja cumprido, esses países precisam garantir que a tese do acordo — descrita no primeiro item deste post — se mantenha. Ou seja, que o governo iraniano continue a avaliar que há vantagens em suspender seu programa nuclear, aceitando em troca benefícios econômicos.

5. MAS QUAL É O PROBLEMA NESSA ESTRATÉGIA?
Voltando ao que dissemos no primeiro item, o problema é que os benefícios econômicos dependem da suspensão das sanções. Mesmo que os países europeus não introduzam suas próprias sanções ao Irã, ainda assim os bloqueios americanos podem ter um efeito decisivo para minar a estratégia. A ameaça são as chamadas “sanções secundárias”, que afetam não só um país mas também quem negocie com ele. Se uma empresa alemã exportar ao Irã, por exemplo, pode ser punida pelos EUA. O próprio embaixador americano em Berlim disse isso na terça — em um tuíte recebido com alguma surpresa, aliás.

6. O QUE EXATAMENTE PODE SER DETERMINANTE?
Um dos indícios do futuro do acordo será a atuação das empresas europeias que tinham começado a fazer negócio no Irã ou planejavam fazê-lo em breve. Essas firmas precisam decidir como vão atuar em um ambiente agora potencialmente hostil aos seus interesses — um fator-chave nesse sentido será a extensão das tais sanções secundárias. A pergunta que os empresários provavelmente estão se fazendo neste momento é: “Se mantiver meus negócios no Irã, vou ser multado?”

7. COMO A EUROPA PODE RESPONDER NESTE PONTO?
Maja Kocijančič, uma porta-voz da UE para os assuntos externos, disse na terça-feira que o bloco está “trabalhando em planos para proteger os interesses das empresas europeias”. Isso já foi feito no passado. Em 1996, o Congresso americano aprovou sanções à Líbia e ao Irã e, em resposta, os europeus legislaram para que a medida não tivesse efeito legal para as firmas europeias. Segundo o jornal britânico Guardian, a UE também ameaçou naquele ano levar o caso à Organização Mundial do Comércio. Como resultado, os EUA parcialmente recuaram.