Por que iranianas estão desvestindo o véu islâmico?

Um pedaço de pano dependurado em um graveto pode não significar muito para um leitor brasileiro deste Mundialíssimo blog. Mas, no Irã, o gesto tem beirado uma pequena revolução. Algumas mulheres subiram nas últimas semanas nas calçadas do país, retiraram o véu islâmico e protestaram contra a imposição conservadora de cobrir o cabelo. Ao menos duas foram detidas.

As “meninas da rua da Revolução” –#GirlsOfRevolutionSt, no hashtag do Twitter– fazem parte de um movimento mais amplo de contestação da política iraniana e podem sinalizar mudanças para o próximos anos. Mas o que exatamente está acontecendo? Algumas perguntas e respostas abaixo:

O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
Ao menos seis mulheres iranianas protestaram na segunda-feira contra a imposição do véu. Elas subiram na calçada e colocaram seus lenços em um graveto. O gesto não é nada trivial no Irã, onde tais desafios à autoridade costumam ser punidos. Mas, segundo o jornal americano “New York Times”, “ninguém se manifestou” quando uma daquelas mulheres retirou o véu na capital, Teerã. “Na verdade, ela foi aplaudida por muitas pessoas. Taxistas e uma mulher mais velha tiraram uma foto dela. A polícia, que mantém uma base na praça, ou não a viu ou decidiu não interferir.”

POR QUE PROTESTAR AGORA?
Essas pequenas e isoladas manifestações seguem o exemplo de Vida Movahed, 31, que retirou seu véu no dia 27 na rua Enghelab –ou rua da Revolução, daí o nome do movimento. Movahed, que participava de uma onda de protestos políticos contra o regime iraniano, foi detida por mais de um mês e hoje é defendida pela renomada advogada Nasrin Sotoudeh. Sotoudeh anunciou a soltura dela, mas seu paradeiro segue desconhecido. Outra mulher foi detida nesta semana devido ao véu.

O QUE TUDO ISSO SIGNIFICA?
A onda de protestos de dezembro, com centenas de detenções, deixou evidente a insatisfação popular contra o governo do país. As manifestações começaram em um reduto conservador, inicialmente motivadas pela crise econômica — o desemprego entre jovens ultrapassa os 40% em algumas regiões do país, segundo estimativas não oficiais. Conversei recentemente sobre isso com o pesquisador americano-iraniano Esfandyar Batmanghelidj. Nesse contexto, os protestos contra o véu são mais uma rachadura, e mais uma pressão ao governo do presidente Hassan Rouhani.

AS MULHERES VÃO ABANDONAR O VÉU?
É pouco provável. Mesmo se fosse opcional, o véu ainda assim seria vestido por uma porção considerável da população. A prenda está enraizada na cultura local e em uma tradição islâmica mais ampla como símbolo de piedade e modéstia. O que parece importante nestes últimos meses é o relaxamento das leis — as autoridades anunciaram recentemente, por exemplo, que mulheres dirigindo sem o véu não serão mais detidas, e sim receberão multas de pequeno porte. O cenário ideal, para as ativistas, é que as mulheres possam escolher se querem ou não vestir o lenço.

POR QUE O VÉU É OBRIGATÓRIO NO IRÃ?
O regime iraniano, instituído após a Revolução de 1979, considera o véu islâmico um símbolo da religiosidade do país. A prenda é obrigatória a todas as mulheres, inclusive as estrangeiras, desde 1983. Mas a situação já foi a inversa: nos anos 1930, o xá Reza Pahlavi proibiu o lenço, retirado à força pela polícia. Como na Turquia, o véu era visto como um símbolo do atraso dessa região.