Existe espírito esportivo, ou a Olimpíada é um arroubo nacionalista?
Atletas desfilaram na sexta-feira (5), durante a abertura da Olimpíada do Rio, representando 206 países. A disputa, que segue pelas próximas semanas, é esportiva. Mas, para além da festança, o evento é também espaço de arroubos de nacionalismos e cenário para disputas geopolíticas.
Alguns times mal esperaram o início dos jogos. No dia da inauguração, a delegação libanesa impediu que atletas israelenses entrassem no ônibus com eles, e seu líder foi repreendido pelo COI no domingo (7). Israel e Líbano dividem, além de uma fronteira, um passado marcado por confrontos que não somem diante do tal “espírito esportivo”.
Nas semanas que antecederam o evento, o mundo acompanhou também a polêmica em torno do doping de atletas russos e sua possível eliminação. Foi decidido na quinta (4) que parte da delegação estava livre para competir. Na Rússia, os debates foram entendidos como sintoma da má vontade internacional, em um momento em que o país mantém posturas impopulares –incluindo apoiar o ditador sírio Bashar al-Assad e anexar a região ucraniana da Crimeia. O presidente Vladimir Putin disse que as acusações são parte de uma “política anti-Rússia” do Ocidente.
O escritor britânico George Orwell publicou em 1945 um texto tão interessante sobre a política desse evento que minha vontade é reproduzi-lo na íntegra e desistir da minha coluna. Por não ser possível, cito o autor: disputas como a Olimpíada surgem “do lunático hábito moderno de identificar-se com grandes unidades de poder e enxergar tudo em termos de prestígio competitivo”. As competições esportivas internacionais seriam sintomas do nacionalismo. “Imitação de guerra”, em que espectadores creem que “correr, pular e chutar uma bola são testes da virtude nacional”.
E, ao redor do mundo, espectadores vão celebrar neste mês as vitórias dos atletas de seus países, como se tivessem qualquer relação com a performance esportiva de pessoas com quem nunca cruzaram na vida.
Orwell escreveu seu texto nos anos 1940, durante os quais a Alemanha nazista perseguia e matava judeus motivada pela ideia de raça. Mas o nacionalismo não ficou para trás na corrida com obstáculos do tempo. Também hoje os nacionalismos saltam com vara na Europa e nos EUA, nos discursos de figuras como Marine Le Pen e Donald Trump.
Há, é claro, casos como o das atletas das Coreias do Sul e do Norte que fizeram um “selfie” juntas nesta Olimpíada –o que tampouco vai resolver o conflito entre os países, para além das manchetes de jornal.
Este texto foi originalmente publicado como uma coluna em 9 de agosto no caderno especial Rio 2016