Por que terroristas atacam turistas?

Diogo Bercito
Banhistas no balneário de Sousse (Tunísia) nesta terça, quatro dias depois do atentado que matou 38. Crédito Abdeljalil Bounhar/Associated Press
Banhistas no balneário de Sousse (Tunísia) na terça-feira, quatro dias depois do atentado que matou 38. Crédito Abdeljalil Bounhar/Associated Press

É difícil de entender, mesmo: por que um jovem estudante decide esconder um rifle com um guarda-sol, aproximar-se de turistas bronzeando-se na praia e atirar contra eles, matando 38 pessoas?

Foi o que aconteceu na Tunísia, na sexta-feira (26), e por aqui viajando ao redor do país tenho ouvido as teorias as mais variadas. Um líder religioso me disse no balneário de Sousse, por exemplo, que “entende” as razões do atirador Saif Rezgui –afinal, estrangeiros vêm ao país desnudos, fumando, bebendo álcool e desrespeitando o jejum do mês sagrado de ramadã. O que mais esperavam?

Em uma conversa recente com um líder político na capital, Túnis, também ouvi explicações materiais: o garoto, de 23 anos, vinha de uma das regiões mais pobres do país, onde a revolução de 2011 ainda não trouxe nenhum resultado. Estava decepcionado.

Mas essas duas ideias –que terão seu papel, é claro– precisam ser entendidas por uma chave mais pragmática: a estratégia do Estado Islâmico, que reivindicou o ataque. Essa organização terrorista, que hoje controla um território extenso entre Iraque e Síria, segue um manual radical disponível na internet, o “Management of Savagery” (administração da selvageria). Will McCants, diretor no Brookings Project, lembrou seus seguidores no Twitter do que esse texto diz sobre ataques contra turistas.

Além disso, o pesquisador italiano Stefano Torelli comentou essa relação em uma entrevista que fiz com ele há alguns dias, para a Folha:

O ataque a Sousse marca uma mudança definitiva na estratégia do jihadismo na Tunísia, segundo o que já vimos em Túnis em março (o ataque ao Museu do Bardo). Extremistas estão atingindo dois objetivos ao mesmo tempo: turistas estrangeiros (vistos como inimigos, porque são ocidentais, na ideologia do Estado Islâmico) e o setor do turismo. O turismo representa 15% do PIB do país. Atingi-lo significa menos visitantes, menos empregos e, como resultado, mais agruras sociais. Isso pode ser um terreno fértil para jihadistas recrutarem novos membros.

Um dos principais pontos da ideologia do Estado Islâmico –e o que garantiu, em parte, seu sucesso em estabelecer um território– é a ideia de que é possível prosperar no caos. Foi o que levou adiante o projeto do terrorista Abu Musab al-Zarqawi, pai dessa organização, e é a ideologia também do auto-proclamado califa Abu Bakr al-Baghdadi (confirmada, por exemplo, pela leitura da revista do Estado Islâmico, “Dabiq”).

É pouco provável que terroristas tenham o mesmo sucesso na Tunísia que tiveram na Síria e no Iraque. A Tunísia é, apesar dos percalços, uma história de sucesso na transição democrática. Síria e Iraque são, por outro lado, exemplos de fracasso.

Mas isso não quer dizer que o ataque ao balneário de Sousse tenha sido um fiasco para essa organização. O governo vai deslocar mil funcionários para a segurança, armando pela primeira vez sua polícia turística, e abrindo assim o espaço previsto pelo manual “Management of Savagery” e citado por McCants. E a economia levou um soco: são estimados US$ 500 milhões de prejuízo, com o desaparecimento de turistas e a demissão de funcionários do setor.

Repito aqui o que me disse um pescador, em Sousse, um dia após o atentado: “O verão foi embora”.