Por que a Bolívia reelegeu Evo Morales?
Evo Morales comemorou no domingo (12) a sua terceira eleição consecutiva à Presidência da Bolívia. Em seu discurso (leia mais aqui), ele dedicou a vitória ao líder cubano Fidel Castro –recorrendo à retórica anti-imperialista que marca seu longo governo, apesar de nem sempre fincada na realidade política.
Eleição e reeleição são temas sempre interessantes, vide nossas semanas eleitorais no Brasil, e podem nos dar alguma pista de a quantas andam países sobre os quais nem sempre prestamos a devida atenção. A Folha enviou a repórter Sylvia Colombo (clique aqui para ler o blog que ela escreve sobre América Latina) à Bolívia para nos contar essa história. Quem perdeu a excelente cobertura dela, porém, talvez se identifique com algumas dessas perguntas:
OK. Vamos voltar um pouco? Antes de tudo: quem é Evo Morales?
Segundo um texto recente do “El Confidencial”, cuja leitura aliás recomendo (é só clicar aqui), Juan Evo Morales Ayma é uma figura poliédrica. “Há muitos líderes políticos que dominam a arte camaleônica […], mas o sincretismo do presidente Morales é um caso de estudo. Uma figura caleidoscópica, poliédrica e flexível que encaixa em muitos moldes. Indígena, pobre, campesino, obreiro, migrante, cocaleiro, sindicalista, socialista, ecologista, antissistema. Quem dá mais?”
Você pode ser um pouco mais específico?
Sim. Mas, na história política de Morales, parecem ter peso os mitos. Por exemplo, o de menino pobre que pastoreava descalço. Ou a imagem de figura humilde, “índio rebelde”, eleito com ideias de “kausachun cocha, huanuchun yanqui” (viva a coca, morra o yankee). Para a reeleição, porém, o que parece importar é que Morales vendeu, em sua complexa carreira política, o projeto de uma Bolívia melhor.
Deu certo?
Vejamos. O FMI prevê crescimento de 5,2% do PIB em 2014, o mais elevado na região. Morales herdou um país de estrutura problemática e entregou, nesta reeleição, uma caixinha cheia de indicadores positivos para a população. Assim, em termos de satisfação do público, a estimativa de que tenha vencido com 60% dos votos não surpreende.
Mas ele tem também algum trunfo eleitoral mais pontual?
Sim. Está passando ali em cima, enquanto você lê este texto. Morales foi favorecido nestas eleições pelo projeto de teleférico unindo as cidades de La Paz e El Alto, duas das maiores aglomerações da Bolívia (900 mil habitantes e 1 milhão, respectivamente). A repórter Sylvia Colombo esteve por ali, clique aqui para ler a história que ela contou no jornal. O teleférico é considerado o mais extenso em área urbana no mundo, com 10,3 km. A terceira linha tem wi-fi nas cabines. Compare abaixo com a nossa versão, no Alemão.
Então ele é um cara super legal?
Não sei como é pessoalmente. A Sylvia Colombo entrevistou ele, então pode responder melhor do que eu (clique aqui para ler). Mas não faltam críticas ao governo dele. Por exemplo, detratores afirmam que o direito das minorias é inexistente, a exemplo da marginalização da mulher no país (leia mais aqui). Ademais, inimigos dirão que o presidente boliviano é um megalomaníaco seguindo o exemplo de outros governantes latino-americanos como o venezuelano Hugo Chávez (não inventei isso — clique aqui, para o texto do “El Confidencial). O “milagre econômico”, dizem, é apenas uma bonança.
Mas a economia está indo bem. Você mesmo escreveu isso! Ou pirei?
Sim. Mas a expansão dos planos de assistência, responsáveis pela queda da pobreza de 38% a 18%, foi financiada pelos ganhos obtidos a partir de 2006 com a nacionalização da produção do gás natural, principal item de exportação na Bolívia.
Outra dúvida — você mencionou que é a terceira eleição de Morales. Pode isso?
Poder, não pode. Quando ele foi eleito, a Constituição previa apenas uma reeleição. A Carta de 2009, idem. Mas a Corte Suprema entende que, como o primeiro mandato ocorreu durante a lei antiga, não contou. Morales teoricamente não pode, assim, concorrer uma quarta vez –a não ser que mude a Constituição, o que não é impossível, já que ele tem maioria no Congresso.
Como estão as relações entre Brasil e Bolívia?
Aparentemente, frias (clique aqui para ler uma reportagem a respeito). Não faltam razões — em especial, o fato de o Brasil ter ajudado em 2013 na remoção do senador oposicionista Roger Pinto. Mas conta também a prisão de 12 torcedores do Corinthians, em fevereiro do ano passado, acusados de soltar um rojão que matou um adolescente. Além disso, as construturas OAS e Petra tiveram contratos para construção de rodovias cancelados pelo governo em 2012, atendendo a protestos indígenas.